‘Legião estrangeira’ entra forte em campo nesta Copa

Na certidão de Rio Mavuba, que nesta Copa defende a França, o local de nascimento está apenas marcado como “Alto-Mar”. Seu pai jogou pelo Zaire na Copa de 1974. Mas os conflitos o levaram para Angola. Quando a guerra civil se intensificou nos anos 80, a família voltou a emigrar, desta vez para a Europa. No caminho, o futuro craque nasceu. A Copa de 2014 é uma vitrine da recente história da migração internacional, da fome, do sofrimento e do acolhimento de outras sociedades. Garotos que chegaram como refugiados ou imigrantes pobres hoje representam seus países adotivos, ainda que nem sempre o país esteja pronto para considerá-lo como um semelhante.

Na Europa, o futebol tem servido como forma de integrar populações mais carentes e dar à juventude das periferias de Paris, Berlim ou Londres o sonhado bilhete da ascensão social. Numa sociedade onde a xenofobia é cada vez mais presente, os times em campo levam a bandeira de seus países e reabrem o debate sobre o que é a identidade de uma nação e o papel dos imigrantes na remodelação dessa identidade nacional.

No total, 83 atletas que percorrem os estádios da Copa não nasceram no país pelo qual vestem a camisa. Se forem somados todos os que são filhos de imigrantes, a taxa chega a mais de 200 e confirma a tese do historiador Eric Hobsbawm de que “uma nação imaginária de milhões nunca é mais real que um time de onze”.

Um exemplo é a França. Dois dos 23 jogadores nasceram fora do país (além de Mavuba, o senegalês Evra). Mas metade do time é de filhos de imigrantes. Varane e Remy têm pais da Martinica. O pai de Matuidi chegou de Angola, a família de Mangala fugiu da guerra na República Democrática do Congo. Já Sissoko nasceu na França depois de seus pais abandonarem o Mali. Benzema tem família argelina e Pogba, da Guiné. Sagna e Sakho são filhos de senegaleses.

Situação parecida é vista na Alemanha. O pai de Özil é turco, a família de Khedira vem inteira da Tunísia. Klose nasceu na Polônia, assim como Podolski. Boateng tem sua família ainda em Gana e Mustafi é kosovar. O time holandês tem quatro jogadores de ex-colônias. Na Bélgica, seis jogadores são imigrantes ou de famílias que deixaram seus países de origem por conta da guerra. Kompany e Lukaku têm origens na República Democrática do Congo e Dembélé vem do Mali. Na Itália, Balotelli recebeu a cidadania europeia aos 18 anos. Cinco jogadores da Bósnia viviam no exterior quando passaram a jogar pela seleção. Eles eram filhos de refugiados que, por conta da guerra nos anos 90, tiveram de sair do país. Outros quatro nasceram no exterior.

Uma das maiores taxas de participação de estrangeiros no time é da Suíça. Sete dos 11 titulares não nasceram no país ou são filhos de estrangeiros. Drmic vem da Croácia e os pais de Inler são da Turquia. Dzemaili nasceu nos Balcãs e a grande estrela do time, Shaqiri, nasceu no Kosovo. Mas nem sempre a integração funciona. No total, 25 jogadores nascidos na França e outros 14 “alemães” jogam por outras seleções. Optaram por defender os países de onde vieram suas famílias por não se sentirem europeus diante da exclusão social que viveram nas periferias das metrópoles. A Argélia é a recordista em estrangeiros: 16 dos 23 convocados nasceram na França.