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Eduardo Paes diz que houve roubos na Vila Olímpica e culpa Rio-2016 por falha

Contrariado com os problemas encontrados na Vila Olímpica, no Rio, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) atribuiu a furtos o péssimo estado em que os apartamentos foram entregues às delegações da Olimpíada. Ele contou ter encontrado “móveis empilhados, lixo para todos os lados” quando visitou o edifício reservado à delegação da Austrália, na sexta-feira passada.

Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o prefeito elogiou os dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI) pela solidariedade diante das crises econômica e política do País. O prefeito diz que é agradecido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à presidente afastada Dilma Rousseff. Conta que esteve ao lado de Dilma, defendeu a sua permanência no governo, mas que ela não se esforçou para recuperar apoio político. “Ela quis cair”, afirmou.

O Rio foi escolhido sede em 2009, foram quase sete anos para organizar. Vai começar com a marca do improviso?

Vamos lá: que improviso?

Vila dos Atletas, por exemplo.

A Vila dos Atletas ficou pronta e, durante três meses que passou sob comando do comitê organizador, teve um problema gravíssimo de gestão. Durante três meses aqueles apartamentos foram invadidos e muitas coisas se roubaram.

Como foram os roubos?

As portas ficaram meio abertas, foi uma falta de atenção do Comitê Organizador, objetivamente. Você recebe as chaves de uma casa, você lista as condições. Não tinha (na entrega dos imóveis pelos construtores) nenhum apartamento sem privada, sem luminária. Isso tudo infelizmente foi roubado ao longo desses três meses. Não me pergunte por quem, eu não sei. Tanta gente entrou e saiu. O mais grave é que o grito de socorro só aconteceu na quinta-feira passada. Se tivesse um grito de alerta na sexta-feira anterior, estaria tudo resolvido. A gente tem reuniões com o COI, com o Comitê Organizador, pelo menos três vezes por semana. Tem planilha de alertas, de problemas.

Nunca haviam sido relatados problemas nos apartamentos?

Nunca se tratou de Vila dos Atletas. Você tem um problema de gestão.

Foi um problema de segurança?

Pode garantir que é gestão. Quando cheguei lá na quinta-feira à noite, vi que não era um problema de segurança, era problema de desorganização. Tinha gente entrando botando móvel, tudo aberto. Na quinta-feira eu disse: “quero me reunir com os 31 síndicos dos prédios”. Não tinha síndico dos prédios. É um elemento de gestão básico. “Quem tem as chaves?” Cinco pessoas têm as chaves. É um problema de gestão inaceitável. Mas nunca tinha surgido ponto de alerta.

E os vazamentos, falta de água nos apartamentos?

Esses seriam os problemas normais de qualquer Olimpíada. Em Londres demorou um tempo para ter água quente. Se fossem só os problemas de construção, não teria problema. No caso da Austrália, tinha uma quantidade de lixo assustadora. Fiz uma brincadeira que pegou mal, admito. Ela (Kitty Chiller, chefe da delegação australiana) respondeu sem ser grosseira. Estive com ela na sexta-feira e fiquei com vergonha. Na garagem, todos os móveis estavam espalhados, lixo para todos os lados. Foi problema de gestão. Não tem nada ficando pronto em cima de hora. Foi uma falha inaceitável, uma pena, porque foi na largada da Olimpíada. Tinha a Vila pronta, todos os estádios, todas as obras de legado. A prefeitura entregou tudo no prazo, só falta o metrô. Não tinha um brasileiro comandando a Vila dos Atletas, só estrangeiros. Pelo menos não cai na conta de que o brasileiro é desorganizado. O comandante é o Mario Cilenti (diretor da Vila Olímpica, argentino).

E a Janeth (brasileira, ex-jogadora de basquete), prefeita da vila?

O prefeito mesmo é o Cilenti. Ela não tem responsabilidade nenhuma, é muito mais relações públicas. Para você ter uma ideia, as construtoras tiveram que adiar a entrega da Vila porque o Comitê Organizador queria receber depois, para economizar. A Vila ficou pronta no prazo, sem um tostão de dinheiro público, só urbanização foi a prefeitura que pagou, através da PPP (Parceria Público Privada) do Parque Olímpico.

Nesta quarta-feira houve um incidente em Angra dos Reis na passagem da tocha olímpica, com muita confusão. O clima não deveria estar mais festivo?

Entendo a questão da opinião pública, principalmente para quem não está no Rio, porque o legado é muito para a cidade do Rio. O sujeito só vê notícia ruim. Não estou reclamando da imprensa. É com a vida. Você tem um momento péssimo no Brasil, político e econômico. No caso de Angra, estavam lá funcionários públicos que não recebem salário da prefeitura. Não é um protesto contra a Olimpíada.

A crise está contaminando o humor em relação aos Jogos?

O ideal é que o momento do Brasil fosse outro para fazer a Olimpíada. As pessoas não fazem ideia do que foi fazer e entregar esse evento com o Brasil nas condições que está e que não começaram ontem. O que estamos fazendo é um milagre. O governo federal me deve de repasses de estádios que eram responsabilidade dele R$ 400 milhões.

O presidente interino Michel Temer disse que está preparado para a vaia na abertura. E o senhor?

Como dizia (jornalista e escritor) Nelson Rodrigues, no Maracanã até minuto de silêncio recebe vaia. Imagina. Acho uma cultura feia do Brasil, principalmente quando a gente está em uma exposição internacional. Acho uma super falta de educação, como achei o que fizeram com a presidente Dilma, inclusive com grosserias, na Copa do Mundo. É a realidade brasileira. Até disse para o presidente Temer: “fique tranquilo que o senhor receberá a vaia da largada e eu recebo a da saída (festa de encerramento)”.

O que realmente ficará de legado para a cidade?

Pode demorar um tempo para ser percebido, mas aposto com quem quiser que a Olimpíada do Rio será referência de transformação urbana. A mudança na região central e portuária foi uma das facetas da transformação do Rio. Tem um legado de mobilidade que atinge a cidade inteira, obras de saneamento e drenagem. Destaca-se o que não se fez na Baía de Guanabara, mas na área mais pobre de Deodoro (zona oeste) o saneamento chegou a 100%. Não se destaca que se acabou com o lixão de Gramacho, na Baía de Guanabara.

O senhor foi muito próximo de Lula e Dilma. A relação esfriou?

Tenho gratidão com o presidente Lula e com a presidenta Dilma. Foram corretos comigo. Quem menos pagou a Olimpíada foi o governo federal, mas não tenho o que reclamar deles. Enquanto pude ajudei a presidente Dilma a se manter no poder. Mas ela quis cair, o que eu posso fazer?

Em que sentido ela quis cair?

Às vezes a pessoa nem percebe, mas ela não foi habilidosa no diálogo político. A política é a arte de saber lidar com o diferente e convencer o diferente das suas teses, impor ao diferente o que você acha que é correto. Você não quer lidar com o diferente, você impõe a sua liderança política. É assim que se faz.

O senhor acha que em algum momento o COI se apavorou com a crise brasileira?

Acho não, tenho certeza.

Eles transmitiram esse temor?

Nos últimos dois anos, nunca pensei que soubesse fazer tanta diplomacia. Imagina nos últimos oito meses: a presidente no processo de impeachment, o governador Luiz Fernando Pezão ficou com câncer. Não foi trivial chegar aonde chegou. Ou o Brasil entende que tem um monte de problema, mas uma capacidade incrível de superação, ou ninguém vai nos respeitar.

Houve um momento em que o COI achou que não ia sair Olimpíada?

Se a gente não conseguia fazer análise política aqui dentro, imagina lá fora? Teve prisão do Delcídio (Amaral, ex-líder do governo Dilma no Senado), teve a condução coercitiva do Lula. O sujeito me liga: ‘What is happening?” (‘O que está acontecendo?’)‘Prenderam o líder do governo no Senado. E eu… (faz som de alguém falando uma língua estrangeira incompreensível). No outro dia, liga de novo. “What is happening? Is Lula arrested?” (‘O que está acontecendo? Lula está preso?’) E eu para explicar… Não sabia falar “condução coercitiva” em inglês.

Quem é esse interlocutor?

O presidente do COI. Acho que a gente trabalhou isso bem. Imagina a presidente Dilma, com o estilo dela de diálogo, chega lá um alemão como o Thomas Bach, cobrando alguma coisa. Não vai dar certo. Quando o presidente Bach vinha aqui, a gente se reunia antes, ele perguntava: “o que você acha que eu devo falar (com Dilma)?” Eu dizia: “elogia, diz que está tudo ótimo”. O COI para mim é uma enorme surpresa positiva. Não ameaçaram sair, aquelas coisas que a Fifa fazia.

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