Segunda chance

Dunga: ‘talento é vital, mas resultado vem em 1º lugar’

Dunga sabe que na seleção brasileira é difícil ter uma segunda chance após um insucesso. Ele ganhou a sua, sob grande desconfiança, e prometeu a si mesmo fazer de tudo para dar certo. Para isso, tem se esforçado para ser mais flexível, paciente. Sem deixar de lado as suas convicções. Não quer repetir os erros da primeira passagem.

Desde que retornou ao cargo, trocou a casa em Porto Alegre por um hotel no Rio e dá expediente praticamente diário na sede da CBF. Na última quarta-feira, entre uma e outra rotineira reunião de trabalho com o coordenador de seleções, Gilmar Rinaldi, para acertar detalhes dos amistosos de outubro com Argentina, na China, e Japão, em Cingapura, dedicou uma hora para conversar com a reportagem.

Às vezes descontraído, noutras desconfiado e irritado (mas controlado) em alguns momentos, encarou as perguntas de frente. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência Estado – Qual vai ser a filosofia da seleção nessa sua nova fase?

Dunga – A seleção tem de ser competitiva e com mentalidade vencedora. Não tem outra forma.

AE – E taticamente?

Dunga – Temos de aproveitar as características individuais dos jogadores, a qualidade técnica. Ir mesclando, dando oportunidades, principalmente agora no início. Nós temos aí (entre os convocados) os quatro laterais novos, três zagueiros que não estavam na Copa, três meias, dois atacantes. E a gente vai testando durante os jogos qual o melhor sistema que se encaixa.

AE – Mas já busca uma base. Para os jogos na Ásia praticamente repetiu a primeira lista.

Dunga – A base você tem de ter. A seleção tem dois jogos por mês, então não pode mudar totalmente de uma convocação para outra. E tem de dar tranquilidade para os jogadores que chegaram pela primeira vez. Se você chamar o jogador uma vez e, mesmo tendo bom rendimento, tirá-lo, ele não vai ter autoconfiança.

AE – Como fazer para a seleção não depender tanto do Neymar?

Dunga – Nos treinos e nos jogos a gente vai tentar achar uma forma de dividir a responsabilidade entre todos. Agora, em 70 a seleção dependia do Pelé; em 58, do Garrincha; em 94, do Romário. São jogadores que fazem gol, que logicamente necessitam de uma estrutura de equipe, mas são os finalizadores. Não é só ele que joga, mas é ele que define.

AE – Vem jogando sem centroavante fixo. Em 2010, tinha o Luis Fabiano. Agora tem o Tardelli, que se movimenta mais. É definitivo?

Dunga – Nada no futebol é definitivo. Vai depender das circunstâncias. Mas o Luis Fabiano caía pelos lados. E não tendo referência fica mais difícil para o zagueiro marcar. Ele não sabe qual jogador vai chegar em velocidade, qual vai fazer a penetração na área.

AE – Você já disse que no futebol brasileiro tem 40, 50 jogadores em condições de servir à seleção. Acredita mesmo nisso?

Dunga – Eu acredito que tem até mais. Agora, se eles vão dar certo ou não é outro detalhe. Têm muitos jogadores (não citou nomes) que nós estamos há 8, 10 anos esperando dar certo…

AE – O que o jogador precisa para dar certo?

Dunga – O talento é imprescindível. Mas só o talento fica evasivo porque tem de ter personalidade, foco, regularidade. O jogador tem de entender essa transição do clube para a seleção. Um erro mínimo na seleção se torna grande, qualquer erro é muito evidenciado. No clube não. E aí tem de estar preparado para as críticas.

AE – Faz parte da sua função esclarecer esse tipo de coisa para o jogador, atuar como “psicólogo”?

Dunga – Não só eu como a comissão técnica. Temos a obrigação de esclarecer aos jogadores alguns pontos de vista… O que a gente já passou na seleção como jogador, como treinador. Mas o mais importante, e acho que serve para todos, é que não adianta querer se colocar como vítima. Não vai resolver o problema.

AE – E o que vai resolver?

Dunga – É ser competitivo, ter regularidade, competência e principalmente trabalhar com qualidade. O jogador de seleção brasileira tem de ser diferenciado dos demais. Tem de ter uma regularidade durante o ano. Se joga 70 partidas, em 35, 40 tem que fazer a diferença no seu clube, tem de se destacar. Não pode ter alternância de ritmo.

AE – Você quer regularidade de jogadores como o Paulo Henrique Ganso, o Alexandre Pato…

Dunga – Eu quero todos, dentro da seleção, jogando com uma certa regularidade, com certa eficiência por um bom tempo. Na convocação, além do momento, da regularidade, a gente busca o perfil dele durante toda a carreira. Porque uma Copa, uma eliminatória, são competições muito curtas. Tu não podes arriscar num jogador na base do “se ele jogar, se ele tiver em forma, se vai fazer o que sabe…” É preciso ter certeza.

AE – Ocorreu isso em 2010? Jogadores que ficaram no “se”?

Dunga – Não. Futebol é um jogo em que você acerta e erra e, dependendo do dia, do momento, é penalizado. Os jogadores renderam, cada um estava crescendo dentro da competição. Infelizmente em duas bolas fomos eliminados.

AE – O que o Brasil pode absorver da Copa, dentro e fora de campo?

Dunga – Não tem muita surpresa. Mas sem dúvida essas seleções demonstraram que você precisa ter foco no trabalho, ter menos exposição possível porque o período é muito curto para trabalhar. Nos clubes os técnicos reclamam que não têm tempo para treinar. Imagina na seleção.

AE – Dentro desse contexto, a Granja Comary é muito aberta?

Dunga – (rindo) As pessoas começam a entender que um trabalho tem de ter uma certa privacidade. Mas não é fechar. É a privacidade do momento, de você conversar, de treinar, repetir a jogada, dar certo, dar errado.

AE – Em 2010 a seleção estava fechada demais?

Dunga – Não concordo. Tudo o que foi combinado foi feito. Em 2010, e foi isso que as pessoas não quiseram entender, tinha organização. O que é organização? Tem horário da entrevista, da brincadeira, do treinamento, do repouso… Tudo com horário.

AE – Vai ser assim agora?

Dunga – É como gosto de trabalhar. É assim que trabalho com o jogador também. Respeito a individualidade, respeito a liberdade com responsabilidade. Você pode fazer tudo o que quiser. Tem de ter responsabilidade nos seus atos.

AE – Vai permitir situações vistas na Copa, como o Neymar chegando à Granja de helicóptero, jogador em programas de TV…

Dunga – Eu tenho um período muito curto na seleção (para atividades). Então é tudo com horário, tudo marcado. O que um fizer, todos vão fazer. Se tiver alguma exceção, é pelo presidente (Marin). Eu acredito também que ele não vai querer abrir exceção.

AE – É possível dar espetáculo e ser competitivo?

Dunga – Dá. Só que as pessoas querem o espetáculo, mas a primeira coisa que querem saber é qual foi o resultado do jogo. As coisas têm de caminhar juntos. Mas você, para ganhar, tem de ser melhor na defesa e melhor no ataque, ter mais qualidade do que o adversário. Em alguns jogos não vai dar para se fazer um jogo dos sonhos.

AE – Os resultados podem te impedir de chegar em 2018?

Dunga – Nem me preocupo. Me preocupo em fazer o meu trabalho, colocar minhas ideias em prática.

AE – O que é mais importante em 2015? A Copa América ou o início das Eliminatórias da Copa?

Dunga – Na seleção o próximo jogo é o mais importante. O importante agora é a Argentina. Não adianta pensar tanto à frente. É aquela coisa: o pessoal fala que tem de renovar. Mas quem te dá certeza de que aquele guri de 18 anos vai estar na Copa de 2018?

AE – O Thiago Silva era o capitão na Copa e para muitos demonstrou descontrole emocional. Ele pode vir a ser capitão do seu time?

Dunga – É aquilo: o cara está a 10 mil quilômetros de distância e dá uma definição da personalidade do outro por imagem de televisão. É só pra você ver quanto o jogador, na seleção brasileira, tem pressão, uma cobrança absurda.

AE – Mas ele pode ser seu capitão?

Dunga – Tudo pode acontecer.

AE – Dar a função de capitão para o Neymar não é sobrecarregá-lo?

Dunga – O Neymar já é sobrecarregado sem a faixa, sem nada. E ele é competitivo. Quanto mais desafiá-lo, mais ele vai te dar em troca. Ele não pode nunca estar acomodado, tem de estar sempre sendo desafiado. Porque ele gosta de competição.

AE – Como recebeu as declarações do Tite dizendo que ficou surpreso com a sua volta e que acha que a vez era dele?

Dunga – Isso é opinião, cada um tem a sua. Assim como o jogador acha que tem de estar na seleção e nem todos eles vêm para cá.

AE – Quando foi convidado, passou por sua cabeça que iria começar tudo de novo (as cobranças, a resistência)?

Dunga – Mais do que isso me passou: Pô, que oportunidade! Que chance! Tenho de fazer de tudo para dar certo.

AE – Você pode levar para auxiliar técnico pontual jogadores de 1982, que não foram campeões, mas foram craques?

Dunga – É possível. Mas no momento o espírito é de levar jogadores que foram campeões para ter uma referência. Não só são campeões, mas são referência como personalidade, caráter, qualidade técnica. Estamos levando um agora (Edu) que tem como característica aquilo que a gente está batendo na tecla: especialista no drible. Isso é pensado. Apesar de as pessoas acharem que a gente não pensa, a gente pensa (risos).

AE – O Fred ainda tem chance na seleção? Ele é outros jogadores que já passam dos 30 anos?

Dunga – Claro que tem. Nós acabamos de elogiar a Alemanha pelo Klose e agora o Fred não serve? No momento oportuno, que nós acharmos que a seleção precisa de um jogador como referência, com qualidade, se ele tiver um rendimento… São jogadores que não precisam ser testados.

AE – O corte do Maicon não foi mal conduzido?

Dunga – Questão de disciplina interna. E eu lido com imagem, com contratos. Se eu dizer o motivo e ele perder um contrato, quem é o responsável?

AE – Ele, que fez a indisciplina.

Dunga – Não. Sou eu, que estou falando. Se ele quiser falar, fala. Tenho de dar explicação para o meu presidente, meu supervisor, meu vice-presidente. E tenho de preservar o meu atleta.

AE – Um atleta que não honrou sua confiança…

Dunga – Mas continuo respeitando como ser humano, como profissional. Não preciso massacrar uma pessoa para mostrar autoridade, hierarquia. Tenho de tomar uma decisão, colocar para ele e os demais jogadores o que me levou a essa decisão. Uma palavra minha, e posso prejudicar esse profissional, na publicidade, contrato com seu clube, uma série de fatores.

AE – A seleção vai ter um manual de conduta?

Dunga – A seleção brasileira sempre teve um manual de conduta. As empresas têm, os clubes têm. Nosso manual de conduta é de boa convivência.

AE – Sobre as suspeitas de que agenciou jogadores (teria recebido mais de R$ 400 mil na ida do meia Ederson para a Europa) e que tem problemas com a Receita Federal (cobra dele R$ 907 mil referentes a impostos que não teria pago)…

Dunga – Quem conhece a lei sabe que é um sigilo fiscal que foi quebrado. Recorri (contestando a dívida) e ganhei em duas instâncias. Sobre agenciamento, o Ederson deu declaração (de que Dunga não participou do negócio). Apresentei provas, documentos. Mas se eu te dou documento e você não quer ler, não adianta.

AE – O que prevê para esse jogo com a Argentina?

Dunga – É difícil, clássico, o mundo vai parar para ver. Os caras vão vir mordidos, estão num momento bom, base da seleção da Copa, vice-campeã… Tem de se preparar para enfrentar da melhor maneira possível. Não vai ser mole.

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