Sem papas na língua

Da China, Paulo André reforça time do Bom Senso F.C

Aos 30 anos, Paulo André foge um pouco do estereótipo de um jogador de futebol. Sempre se mostrando interessado por política e leitura, o zagueiro, que atualmente defende o Shanghai Shenhua, da China, é um dos líderes do movimento Bom Senso F.C. Sem papas na língua, o defensor, mesmo de longe, nunca se escondeu e critica abertamente os problemas no futebol nacional.

Em entrevista exclusiva ao Paraná Online, Paulo André fala sobre os principais problemas encontrados no futebol brasileiro e aponta possíveis mudanças que poderiam voltar a fazer do Brasil o país do futebol.

Como você vê a atual situação do futebol brasileiro?

70% dos atletas profissionais ficam desempregados seis meses por ano, clubes grandes acumulam dívidas, dirigentes nunca são punidos, clubes pequenos estão jogados às traças, jogadores entram na justiça do trabalho e podem esperar por até 10 anos para receber os atrasados. A formação e a capacitação de profissionais é empírica e insuficiente e a média de público nos estádios tem a décima oitava posição no ranking mundial, atrás até de Estados Unidos e Austrália. Se este não for o fundo do poço, estamos bem próximos dele. E a solução dada pelos dirigentes do futebol brasileiro é trocar a comissão técnica, o médico e o assessor de imprensa da Seleção. Tem que ter muita cara de pau, não?

Quais seriam as primeiras mudanças a serem tomadas para que o futebol aqui volte a ser jogado em um bom nível?

O primeiro passo é a reforma política. É preciso oxigenar a estrutura de poder. Quem está no poder há décadas (nas federações, por exemplo) já provou não ter capacidade de conduzir o futebol brasileiro com a excelência que o cargo exige. A CBF, numa tática de guerra conhecida como detêrrencia ou ‘teoria da intimidação’, controla seus 47 membros – 20 clubes da Série A e 27 federações estaduais – e o poder acaba sempre nas mãos dos mesmos. Esse jogo político emperra as medidas técnicas necessárias para o desenvolvimento do esporte no país. É preciso democratizar a CBF já!

Existem outras formas de melhorias?

Limitar o mandato dos dirigentes com apenas uma recondução, investimento maciço na capacitação de treinadores e gestores de futebol, implantação de um severo jogo limpo financeiro e de um calendário mais democrático. E o mais importante, dar voz aos atletas, treinadores, árbitros, estudiosos, cientistas do esporte, torcedores. Além do direito a voto, a participação deles em um orgão técnico e autônomo. Serviria para debater propostas, mudanças.

Você acredita que existe alguma possibilidade de mudança radical no comando da CBF?

Como tirar de lá e das federações os eternos comandantes? As pessoas que não têm visto o Bom Senso nos gramados, porque acham que eu vim para China e o movimento esfriou, estão completamente enganadas. Como a CBF nunca se mostrou disposta a dialogar com os atletas, procuramos outra frente, fomos a Brasília. O Bom Senso tem discutido e proposto alterações na Lei Pelé e no projeto de lei de responsabilidade fiscal do esporte. O projeto propõe, entre outras coisas, o parcelamento da divida fiscal dos clubes, mas oculta a isenção da responsabilidade civil e penal dos dirigentes que cometeram irregularidades. Além disso, ele é frágil ao tentar garantir que os clubes estejam realmente em dia com suas obrigações fiscais e, principalmente, trabalhistas daqui para frente. Essa debilidade justifica o desespero dos dirigentes e a pressão da ‘bancada da bola’ para sua rápida aprovação já que, uma vez garantido o parcelamento, clubes e CBF voltarão a se blindar em seus estatutos.

A ‘ditadura’ da CBF se ampara no artigo 217 da ,Constituição, inciso I, que define que as entidades que administram o esporte no país tem autonomia financeira e estatutária, o que não permite nenhum tipo de intervenção ou regulação do governo. Ao mesmo tempo, a CBF se utiliza de um bem público, que é a seleção, e arrecada mais de R$ 400 milhões por ano. Os grandes clubes de futebol, quebrados, precisam da aprovação da LRFE. Exigir dos clubes, em troca pelo parcelamento da dívida fiscal, a melhora da LRFE e a democratização da CBF, sem se excluir, é claro, a responsabilidade civil e penal, que venha a ser apurada, dos dirigentes, seria um golaço.

 Como está sua ligação atualmente com o Bom Senso? Tem conversado com outros jogadores a respeito?

Passo algumas horas por dia trabalhando para o movimento. Estou sempre em contato com o Dida, Alex, Juan, Roberto, Ruy Cabeção, Gilberto Silva, dentre outros. Hoje conquistamos o apoio do futebol feminino, dos atletas de Beach Soccer, da Associação dos Treinadores e da Associação dos Executivos do futebol.

Por você estar na China, sem nenhum vínculo com algum time daqui, fica mais fácil se manifestar?

Eu continuo seguindo o meu caminho e as minhas ideias. Sigo a minha linha de falar aquilo que acredito. Foi assim quando eu estava machucado, no banco ou sendo campeão mundial pelo Corinthians. Não sou contra A ou B, sou a favor do futebol brasileiro. O futebol, e o esporte em geral, são a minha paixão. Se o Marin ou o Del Nero viessem com uma solução interessante, receberiam elogios. Mas qual é a chance disso acontecer? Tudo o que eu escrevo ou falo, levei para a sede da CBF e falei na cara deles. Os cartolas não sabem o que estão fazendo, eles não têm argumento nem embasamento suficiente para reconduzir o nosso futebol de volta a um lugar de destaque. Se são políticos e não conhecem a parte técnica, convoquem pessoas interessadas e capacitadas para ajudar. Mas não, se escondem do debate. Só tem medo de debater quem não tem nada a oferecer.

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