Cauteloso, Uruguai muda esquema e espera Recoba

Se o discurso é ousado, a formação será cautelosa. A seleção do Uruguai muda sua estrutura tática para o jogo desta noite contra o Brasil, no Pinheirão.

Após três partidas jogando ofensivamente, com três atacantes, o técnico Juan Ramón Carrasco confirmou que mudará o esquema de jogo, mas continua alardeando que vai jogar em cima da seleção brasileira. A grande dúvida do time é Álvaro Recoba, que segue lesionado.

O meia-atacante da Internazionale chegou ao Uruguai já reclamando de dores, e jogou apenas vinte minutos contra o Chile. Na segunda, Recoba treinou com os reservas e nada sentiu. “Mas não houve exigência”, ressalvou Adán Machado, auxiliar de Carrasco. Dessa forma, a definição sobre a participação dele ou não na partida de hoje ficará para uma conversa com Carrasco. “Em uma escala de zero a dez ele está em seis. Por isso haverá a conversa, para que se tenha a certeza de que forma ele será mais útil à seleção”, explicou Machado.

A possibilidade mais clara é que Recoba, apesar de ser o jogador mais “valioso” da nova geração de seu país, fique no banco e entre no segundo tempo. Assim, abre-se espaço para a permanência de Martín Ligüera, que já começou jogando contra o Chile. Ele seria o responsável pela aproximação aos atacantes Chevantón (que atua no Lecce) e Forlán (do Manchester United).

E na presença de apenas dois homens de frente está a mudança do Uruguai. “Vou mexer, vou ter precauções”, reconheceu o técnico Carrasco, que foi um habilidoso meio-campista, chegando a jogar no São Paulo em 1990. “Individualmente, os brasileiros são os melhores do mundo, e eu preciso me precaver, principalmente quando estivermos sem a posse da bola”, completou.

Só que a marca ofensiva que o treinador quer dar ao Uruguai não será esquecida. “Quando tivermos o domínio, vamos buscar o gol. Não é porque jogamos em Curitiba que não iremos atrás do resultado”, garantiu Carrasco. Os visitantes querem aproveitar o possível nervosismo da seleção brasileira, que será obrigada a partir para cima – coisa que aconteceu com eles na partida contra o Chile.

E Carrasco tenta passar exatamente tranqüilidade e confiança para o elenco. “Se tivermos fé em nossas qualidades, podemos vencer”, afirmou. E parece que os jogadores entenderam o recado. “A gente fica com mais vontade de vencer jogos como esse. E temos capacidades para ir ao Brasil e vencer”, finalizou o zagueiro Cristian González.

Eles conhecem os nossos defeitos

A chegada da seleção uruguaia a Curitiba foi cercada de pompa e circunstância. Por sinal, até demais: não houve aglomeração que justificasse a presença de quase quarenta policiais no esquema de segurança e a interrupção de todo o tráfego entre o Aeroporto Afonso Pena e o Hotel Sheraton, no Batel. Para completar, os principais destaques da delegação fecharam-se em copas, e apenas um jogador falou antes do treino da noite, no Pinheirão.

Quem falou foi o meia Richard Nuñez, do Grashoppers (Suíça) – o destaque da vitória de sábado sobre o Chile. “Vai ser um jogo particular, diferente de qualquer outro jogo”, disse, também sem muita vontade. O jogador reconheceu que, como a partida é no Brasil, o empate é um bom resultado. E, como era de se esperar, os uruguaios já conhecem a deficiência da defesa brasileira. “Fomos alertados sobre as jogadas aéreas”, confessa Nuñez.

Álvaro Recoba, o “Ronaldo” dos uruguaios

Se algum jogador uruguaio tem a vida devassada como os brasileiros, esse alguém é Álvaro Recoba. Desde jovem ele é seguido pela imprensa, assediado por empresários e procurado pelos principais clubes da Europa. Agora, na Internazionale de Milão e na seleção uruguaia, o meia-atacante precisa mostrar que é um jogador diferenciado, imune a pressões e ainda decisivo nas partidas. Mal comparando, Recoba é o Ronaldo deles.

Ainda jovem, ele foi descoberto no Danúbio, que nunca deixou de ser um time mediano no Uruguai. Com Recoba, a equipe ganhou prestígio e dinheiro – em 1997, o meia foi negociado com a Inter, na maior transação da história do futebol uruguaio. Aos 21 anos, ele teve que rapidamente se transformar em ídolo de uma sequiosa torcida (o time de Milão não ganha um título italiano desde 89).

E a pressão foi maior do que Recoba poderia suportar. Ele acabou emprestado ao Venezia – e lá, em uma equipe pequena, conseguiu mostrar seu futebol. Uma boa temporada foi suficiente para fazê-lo voltar a Milão, dessa vez como coadjuvante de um certo centroavante brasileiro. O uruguaio, que chegara como herói, virara coadjuvante de Ronaldo.

E isso foi fundamental para que o meia conseguisse o respeito dos técnicos e a admiração da torcida. Com nome na Europa, Recoba agora precisa mostrar que também é jogador de seleção. Na Copa de 2002, ele teve uma participação apagada, e as Eliminatórias são decisivas para sua recuperação. O Pinheirão pode ser o palco ideal para o ressurgimento de um craque.

Lembrando a “garra charrua” e a euforia de 50

Brasil e Uruguai já foram os maiores adversários do continente. Realizaram partidas memoráveis e finais esplendorosas. E sempre os uruguaios nos relembram o “Maracanazzo”. Para quem não sabe, foi a pior de todas as derrotas do futebol brasileiro: em plena final da Copa de 1950, no então recém-inaugurado estádio do Maracanã, o irresistível Brasil (que vinha de goleadas sobre todos os adversários) caiu ante um Uruguai que se mostrava inabalável e obstinado pela vitória. O resultado (2×1), foi o momento sublime da história do futebol uruguaio.

Para passar a limpo o que significou para o outro lado a o que para nós foi o fantasma do Maracanã, em 1950, O Estado foi ouvir dois senhores – que naquela época eram ainda adolescentes. O comandante da Marinha Mercante uruguaia, Jorge Cardoso Pagano, 68 anos, e o assessor do departamento técnico do Teatro Guaíra, Carlos Kur, 69.

Kur e Pagano têm a mesma lembrança: a Avenida 18 de Julho (para nós seria a XV de Novembro), tomada por uma multidão de 200 mil pessoas, “dez minutos depois do apito final”, revela Kur, lembrando uma trágica semelhança -nos dois países, heróis esportivos não são respeitados pelos governantes e o exemplo maior, no caso uruguaio, é Obdulio Varela, que o máximo que conseguiu foi o cargo de zelador da Prefeitura de Montevidéu.

Para Carlos Kur, o título de 1950 foi a confirmação de uma mística: a “garra charrua” (charrua foi a única tribo indígena que não foi dominada pelos espanhóis no período de colonização do país), garantindo uma mentalidade vencedora “como é o Brasil de hoje”. “Os uruguaios não eram atletas bem preparados, mas se superaram. Tinham o espírito amador, com senso profissional”, argumenta Kur, para quem o Uruguai hoje carece de uma base maior para voltar a ter uma equipe campeã.

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