Uma das lembranças que Teliana Pereira guarda da infância é sua casa branca, pequena, simples, cercada de mato seco, com um quintal de chão de terra batido. Sem luz e sem água, os pratos de arroz, feijão e farinha eram escassos no povoado de Barra da Tapera, município de Águas Belas, em Pernambuco, encostado em Alagoas. Ela conta que, como não conhecia um lugar diferente, achava tudo bom.

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Vinte e seis anos depois, a pernambucana conheceu outras realidades. A melhor tenista brasileira das últimas duas décadas consolidou na semana passada uma trajetória improvável de Barra da Tapera para as principais quadras do mundo. Na Colômbia, ela venceu seu primeiro torneio da WTA, a Associação Mundial Feminina de tenistas. “Eu me sinto vitoriosa. Quando começo a reclamar de algo, penso duas vezes e volto atrás. Pela vida que nós tivemos não dá para reclamar de nada”, disse a 81.ª do ranking mundial.

Teliana se lembra da casinha branca, mas não do resto. “Durante seis meses eu plantava milho, feijão e mandioca para comer. Quando não dava lavoura por causa da seca, eu ia cortar cana em Alagoas”, contou José Pereira, o pai, chamado de Pernambuco. Nesta época, eram ele, Maria Nice e mais cinco filhos: Renato, Teliana, Leila, Júnior e Valdelice. Depois, nasceram Juliana e Renan.

Não foi no sertão que Teliana aprendeu a jogar tênis. Em 1991, seu pai foi visitar o irmão em Curitiba e arrumou um bico como servente na construção de uma academia de tênis no bairro de Santa Felicidade. Teliana se lembra do ônibus cambaleante ao longo de 2.701 quilômetros de Barra da Tapera até Curitiba. “Foi aí que eu comecei a entender o que era a cidade grande”, disse.

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No final da obra, Pernambuco foi contratado pelo francês Didier Rayon, proprietário do local, para cuidar das quadras e todos os filhos foram ajudá-lo. Ganhavam R$ 30 por dia. “Era quase metade da nossa renda”, contou José Pereira.

Para entrar na quadra foi um pulo. Literalmente. A família Pernambuco se tornou uma família de tenistas. José Pereira Júnior virou profissional e ocupa a 400.ª posição no ranking; Renato acabou se tornando o treinador da própria irmã prodígio. “Aos 12 anos ela ganhava das meninas de 18”, contou Alexandre Zornig, namorado e gestor da carreira da campeã.

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Depois de passar pela seca, os pratos de arroz, feijão e farinha e os perrengues da viagem, Teliana ainda teve de enfrentar sérias contusões. Chegou a ser submetida a duas cirurgias no joelho direito, uma de menisco e outra de cartilagem. Foram quase dois anos parada e os patrocinadores sumiram. Foi o sogro, pai de Alexandre, quem bancou as viagens. Em 2012, por, exemplo, ela pegou emprestado R$ 10 mil. Mas pagou.

O resto da vida de Teliana faz parte da lista de casos de sucesso do esporte brasileiro. Desde 2005, quando iniciou a sua carreira profissional, Teliana soma US$ 496,8 mil (R$ 1,5 milhão) em premiações. Só o título do WTA em Bogotá lhe rendeu US$ 43 mil (R$ 130 mil). Ela já conquistou 22 títulos de simples no circuito ITF, série secundária no circuito mundial. Ganhou a medalha de bronze, nas duplas, nos Pan-Americanos do Rio em 2007. “Não é sorte vencer um torneio da WTA. Isso mostra que ela é diferenciada”, afirmou o ex-tenista Fernando Meligeni.

O pai de Teliana também teve sucesso. De servente de pedreiro chegou a empresário de construção de quadras de tênis. No ano passado, fez cinco e cada uma custa R$ 25 mil. Mas Pernambuco conta que seu forte é a manutenção. Cada quadra precisa de R$ 350 por mês para ficar tinindo.

VIDA DE ATLETA – A trajetória de Teliana reacende também a discussão sobre os perrengues dos atletas brasileiros. Quando ela perdeu os patrocínios, 10 amigos mais chegados de Curitiba fizeram vaquinhas, com valores entre R$ 200 a 800, para as viagens.

Meligeni afirma que esse não é um problema só do tênis. “São poucos os atletas que possuem uma estrutura profissional. Hoje a Teliana tem tranquilidade, mas já teve de fazer rifa de raquete para conseguir recursos. No caso do tênis, faltam quadras públicas. Todos os esportes são elitizados”, criticou. “Nunca construí uma quadra pública”, concordou o pai de Teliana.

Jorge Lacerda, presidente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), concorda com a falta de espaços públicos. “A situação melhorou bastante nos últimos anos. Temos vários bons jogadores de classe média baixa”.

A tranquilidade financeira é garantida por quatro patrocinadores que permitem que Teliana viaje com fisioterapeuta, técnico e preparador físico para os torneios. “Ela tem várias atributos que já foram identificados pelo mercado. É a número 1 do Brasil, jovem, bonita, com uma linda história de superação e vai disputar o Pan e a Olimpíada”, disse Márcio Torres, empresário da tenista.

Os recursos que Teliana conquistou já são suficientes para realizar seu principal projeto de curto prazo: comprar um apartamento. A casa branca em Barra da Tapera vai ser cada vez mais só uma orgulhosa lembrança.