Tendo aderido ao modelo da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) em julho de 2023 em busca da profissionalização da gestão e do saneamento de suas contas, o Atlético Mineiro (Atlético-MG) convive, dois anos depois, com atrasos no pagamento de salários aos jogadores e a necessidade de novos aportes milionários de investidores.

continua após a publicidade

A situação do clube está longe de ser nova no futebol brasileiro, mas acende um sinal de alerta para o modelo das SAFs, com outros clubes da Série A do Campeonato Brasileiro que se transformaram em sociedades anônimas também convivendo com dificuldades financeiras e o acúmulo crescente de dívidas.

Na tarde de terça-feira (22), o atacante Rony, que chegou ao Atlético no início do ano vindo do Palmeiras, chegou a pedir na Justiça do Trabalho a rescisão unilateral de seu contrato com o clube, sob a alegação de atrasos nos pagamentos de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), luvas e direitos de imagem.

O time disse em nota estar com os salários CLT em dia, “somente com uma parcela dos direitos de imagem atrasada em dois dias”.

continua após a publicidade

Outros jogadores do elenco, como Gustavo Scarpa, Guilherme Arana e Igor Gomes, também notificaram o clube extrajudicialmente nos últimos dias por atrasos nos pagamentos de salários, embora eles não tenham recorrido ao Judiciário.

“Temos quase seis anos de história com o clube, construídos com carinho, respeito e uma identificação enorme. Por isso, jamais tomaríamos qualquer atitude extrema sem antes tentar, de todas as formas possíveis, resolver a situação com equilíbrio, diálogo e respeito mútuo”, escreveu Guilherme Arana em publicação nas redes sociais, na qual aparece segurando um galo, símbolo do Atlético.

continua após a publicidade

Ainda no fim da noite de terça, Rony acabou recuando e retirou o pedido de rescisão, após ser convencido de que os pagamentos seriam regularizados.

Em crise, endividamento do Atlético MG chegou a cerca de R$ 1,4 bilhão

Principal investidor da SAF do clube, Rubens Menin foi às redes sociais para dizer que todas as pendências com o grupo serão resolvidas.

“O Atlético tem responsabilidades, e as honra. Tem compromissos, e os cumpre. E tem um projeto de longo prazo sendo construído com trabalho duro, transparência e espírito coletivo”, escreveu o empresário, que também é dono da construtora MRV e do Banco Inter, com uma fortuna estimada pela Forbes em cerca de US$ 1,8 bilhão (R$ 10 bilhões).

Procurado, o clube disse não ter comentários adicionais a fazer neste momento.

Uma reunião da diretoria com o elenco está prevista para acontecer nesta quarta-feira, antes do confronto de volta contra o Bucaramanga, da Colômbia, pela Copa Sul-Americana, na noite de quinta-feira (24), na Arena MRV.

Segundo Cesar Grafietti, economista e sócio da consultoria Convocados, mesmo após um grande aporte de capital na criação da SAF, de R$ 913 milhões, o clube seguiu com gastos acima do ideal, com muitos investimentos na contratação de jogadores levando a um aumento das dívidas.

Dados do balanço de 2024 mostram que o endividamento do clube chegou a cerca de R$ 1,4 bilhão em dezembro, um aumento de quase 20% na comparação com o ano anterior, com R$ 218 milhões em gastos na contratação de jogadores para a temporada e uma folha salarial de quase R$ 300 milhões, contra uma receita bruta de R$ 674 milhões.

Grafietti acrescentou que o Atlético se transformou em SAF, mas sem mudar o modus operandi, trazendo atletas caros com salários incompatíveis com a realidade do clube. “As dívidas seguiram consumindo as receitas por conta dos juros elevados, e as receitas nunca cresceram na medida necessária.”

O economista assinalou ainda que, sem um aporte urgente de recursos, a situação seguirá insustentável, com o clube sendo forçado a ir a mercado em busca de investidores interessados em aportar capital na operação.

“A situação do Atlético serve de alerta para todos os clubes. As dívidas precisam estar controladas e compatíveis com a capacidade de pagamentos, porque, se não for assim, elas estrangularão a gestão em algum momento.”

Grafietti ponderou que a SAF em si não faz tanta diferença no fim do dia, se a gestão não pensar o clube, de fato, como um negócio.

Ele cita a situação bastante delicada em que também se encontra o Vasco. O clube carioca aderiu ao modelo de SAF em setembro 2022, mas enfrentou uma série de descumprimentos do acordo e trocas de acusações com o investidor 777 Partners, até o rompimento entre as partes, em maio de 2024.

Com dívidas em torno de R$ 1,2 bilhão, o Vasco entrou com um pedido de recuperação judicial no fim de fevereiro na tentativa de conseguir algum fôlego financeiro e também segue no mercado em busca de um novo investidor.

“A busca por um novo investidor para o Vasco SAF já está em andamento, com todo o cuidado e responsabilidade que o momento exige. O episódio da 777 Partners deixa uma lição que não pode ser ignorada”, escreveu Pedrinho, presidente do clube, em relatório financeiro publicado no início de julho.

“Profissionalizar o futebol não significa entregar o controle do clube de forma cega a grupos sem histórico sólido, garantias ou transparência. Isso reforça a necessidade de adotar um processo rigoroso de avaliação para investigar a fundo a solidez e a idoneidade de um potencial parceiro antes da assinatura de qualquer acordo”, assinalou o ex-meia.

Grafietti afirmou ainda que a SAF do Cruzeiro também “acende um sinal de alerta”, com a dívida do clube sob a nova gestão de Pedro Lourenço chegando a R$ 1,3 bilhão no fim de 2024, um aumento de 45% em relação a 2023.

O clube mineiro encerrou o ano passado com um prejuízo em torno de R$ 170 milhões, tendo desembolsado quase R$ 200 milhões na contratação de reforços na janela de transferências.