Arthur Nory supera acusação de racismo e se credencia ao Rio-2016

A presença de Arthur Nory Mariano nos Jogos do Rio não está confirmada, mas os bons resultados na reta final do ciclo olímpico o credenciam como o ginasta mais completo do Brasil na atualidade.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em São Bernardo do Campo – nova casa da ginástica brasileira enquanto o ginásio do Rio está reservado para o evento-teste dos Jogos de 2016 – o atleta de 22 anos fala sobre a disputa interna na seleção por uma vaga na Olimpíada, conta que tem medo de se machucar novamente e também diz que hoje se vê mais maduro após o polêmico caso de racismo envolvendo Ângelo Assumpção.

Os seus últimos resultados abrem espaço para você na seleção?

Venho em ascensão nas competições e é muito importante começar bem nesse primeiro passo. Ninguém está certo na equipe, somos 12 atletas para cinco vagas e todo mundo tem chance. Mas você tem de mostrar que está bem na hora das quatro seletivas. São duas em maio e duas em junho, quando a equipe será definida.

Você está com séries novas?

Dificultei o solo agora, dá para fazer uma série mais difícil, limpa e conseguir uma nota muito boa. Competi na Alemanha com série nova no cavalo, ainda meio suja. Estou mudando a série das argolas, que são o meu “calcanhar de Aquiles” para o individual geral, é o aparelho que eu mais sofro. Tenho muita dor no ombro e isso me atrapalha bastante. Estou fazendo o mesmo salto do ano passado e treinando um novo. Faço a série antiga quando preciso.

Que tipo de dor sente no ombro?

Dor de lesão. Operei em 2013 e até hoje sinto um pouco de dor.

Você tem medo de lesão na reta final para Olimpíada?

Tenho muito medo porque lesão sempre me atrasou. Não quero me machucar agora, tenho tomado cuidado. Sempre fui muito ansioso e afobado, isso me prejudicou muito. Se tiver uma lesão, o atleta volta para a estaca zero e precisa acelerar o processo porque logo tem competição importante. Meus últimos anos foram assim. Em 2014, quebrei o dedo e dois meses depois já tinha de estar inteiro para competir o Mundial. Em 2015, operei o joelho e tive de correr para ir para o Pan de Toronto.

E não sente mais dor no joelho?

De vez em quando sinto um pouquinho de dor, mas o joelho está bem.

Como acabou sendo um generalista?

Desde pequeno a gente treina para ser generalista, tenho uma boa média em todos os aparelhos. Consigo ser bem regular, isso é bom. Para mim, é bom fazer todos os aparelhos. Não sei se um dia vou me especializar em algum aparelho na ginástica.

Um dos seus “rivais” é o Sérgio Sasaki. A volta dele à equipe te motiva?

Sasaki sempre foi um espelho para mim, sempre pensei que quero estar junto dele. A disputa é importante também para ele. É legal ver que tem mais atletas de nível na equipe, é muito bom para a gente.

Você acredita que o Brasil pode conquistar uma medalha na Olimpíada?

Acredito que medalha está um pouco distante para a equipe, mas ginástica é muito imprevisível, uma caixinha de surpresa. Acredito que seja possível chegar na final se a gente competir bem. Depende do jeito que a comissão formar o grupo.

Qual é sua expectativa no individual?

Além de estar entre os 24 finalistas, depende da formação da equipe brasileira. Por exemplo, se mandarem três generalistas, tem de estar também entre os dois do Brasil. Eu vou dar o meu máximo e quero muito ser finalista olímpico.

Como é o relacionamento da equipe?

A equipe é muito unida. Desde que começamos a morar junto, estamos bem família. A gente se entende, sabe o que falar para o outro em determinado momento. Isso ajuda bastante em nossa harmonia e em nosso desenvolvimento como equipe. Até essa competitividade interna faz a seleção crescer. O Brasil vai evoluir bastante.

O caso com o Ângelo Assumpção fez você amadurecer?

Acredito que sim. Não tenho o que falar sobre esse caso. Está bem resolvido entre a gente, somos bem amigos, nunca vai mudar. Essas coisas vêm na vida só para fazer a gente crescer. E eu cresci bastante com isso.

Você ainda usa as redes sociais?

Uso sempre e não paro. Gosto muito do Snapchat, conto minha vida.

Como é o seu contato com o público?

Não dá para falar com todos, mas acho muito legal essa torcida, o povo que me acompanha e torce por mim. Essa energia é muito boa e positiva.

Você é vaidoso?

Sou bastante. Que bom que a entrevista é por microfone porque estou com uma espinha enorme (risos).

Como se concentra para competir?

Depende, tenho um jeito de pensar para cada aparelho. Tento levar para a disputa tudo o que faço no treino. As coisas às vezes saem automáticas. Mas em competição sempre dá nervosismo, faço minhas orações e meus mantras para me acalmar.

Dá nervosismo quando a série é nova?

A primeira vez que você vai competir um elemento que não está acostumado, dá um friozinho a mais (na barriga), mas só competindo para saber.

Você ainda tem fotos de ginastas de sucesso no seu armário?

Tenho, mas estão no Pinheiros. No celular tenho fotos dos meus ídolos. Gosto muito da Ronda Rousey, da Mayra Aguiar, do judô, e dos ginastas Simone Biles, Kohei Uchimura, (Aliya) Mustafina. Penso que eles são top e eu quero também ganhar Mundial e Olimpíada, quero ser bom.

Como é sua rotina?

A rotina está bem parecida com a do Rio. A estrutura de São Bernardo é muito boa, tem a mesma aparelhagem do Rio e da Olimpíada. Só o solo muda e vai fazer muita diferença porque esse (do ginásio paulista) é melhor do que o que vamos competir.

Qual é a diferença do tablado?

Esse parece mais mole, o outro mais firme. Depende da sua batida. Às vezes, você bate mole nesse aqui e ele ainda te impulsiona. Se bater mole no outro, você cai de cara. O outro é bom para você fazer chegada cravada, esse aqui dá um rebote.

O que foi preciso abrir mão?

Quando o pessoal chama para sair durante a semana, falo: “Vocês estão loucos, não dá. É reta final para Olimpíada, preciso descansar.” Tem de abrir mão até de relacionamento porque vai pesar um pouco. Esses detalhes não são legais para um atleta de alto rendimento.

Como começou na ginástica?

Meu pai sempre quis que os filhos fossem faixa preta de judô. No Palmeiras, a ginástica ficava ao lado do judô. Me interessei, meu pai via como hobby. Quando veio a Daiane dos Santos, falei: “Quero conhecer a Daiane.” Fiz os dois esportes em 2005. Depois que meus pais se separaram, falei para a minha mãe que não aguentava mais, queria ser ginasta. Parei o judô em 2006, quando ia fazer 13 anos. Fiz ginástica durante uns quatro meses em um clube municipal, mas era só um tatame, não tinha argolas, cavalo e barra e meu treinador era estagiário. Fui para o Pinheiros e comecei do zero. Não tinha base alguma, aprendi muito rápido.

Seu pai demorou para aceitar?

Meu pai queria que eu estudasse para ser piloto de avião. Ele colocou isso na cabeça de nós quatro. Minhas duas irmãs se formaram como aeromoças, meu irmão mais velho fez o curso de piloto e não quis seguir. Isso me atrapalhava no treino. Meu técnico, o coordenador do Pinheiros e a psicóloga conversaram com ele e disseram: “Seu filho tem potencial de ser um grande ginasta”. Depois disso, meu pai nunca mais foi contra.

Hoje ele reage como?

Ele torce e apoia. Não vejo muito o meu pai, mas ele sempre pergunta onde estou, qual é a próxima competição, quais são os preparativos. Ele sempre quer conhecer.

Como é seu trabalho psicológico?

Estou com a Carla (Ide) desde 2008, me consulto regularmente. Mesmo agora distante a gente procura se falar via Skype. No começo parece que não dá em nada. Mas você vai se conhecendo, entendendo quem é. Isso me ajudou a amadurecer, a ter a cabeça no lugar.

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