Após 3 cirurgias e mais experiente, Guilheiro quer brilhar no Mundial de Judô

Alguns atletas têm a palavra “campeão” escrito na testa. No caso de Leandro Guilheiro, é “medalha” que aparece grafado em cima da faixa preta toda vez que judoca de 32 anos sobe ao tatame. E foi apostando nisso que a comissão técnica da seleção brasileira resolveu ignorar a 66.ª colocação do ranking e levar Guilheiro para o Mundial de Astana, que começa nesta segunda-feira no Casaquistão.

Foram dois anos sem sequer vestir o quimono após três cirurgias para reconstruir os ligamentos do joelho direito. Desde o retorno às competições, entretanto, o ex-líder do ranking mundial da categoria até 81kg participou de nove eventos do Circuito Mundial e só foi ao pódio em dois deles, os de menor expressão, e sem ouro.

A reputação conquistada ao longo da carreira, entretanto, segue inabalada. “Eles sabem que eu luto bem a competição. (O Mundial) pode ser ali o gatilho que eu estava esperando”, disse Guilheiro, nesta entrevista exclusiva.

Agência Estado – Como foi esse longo período longe dos tatames?

Leandro Guilheiro – Eu fiquei dois anos sem botar quimono. É difícil quando você volta. Seu corpo já está desacostumado a aquilo. Primeiro fica o corpo duro, perde sensibilidade da luta. Esquece como se luta. É um exercício de paciência. Voltei a colocar quimono em julho de 2014. Competi em outubro, mas não estava 100%. Fui começar a treinar num ritmo melhor em fevereiro. Só aí comecei a esquecer do joelho, a treinar sem medo, sem preocupação. Aí que pode ser dado como um marco que eu voltei realmente.

AE – A falta de bons resultados desde seu retorno às competições de preocupa?

Leandro Guilheiro – Acho que o grande lance, mais que o resultado, é o fato de sentir que não lutei tudo aquilo que eu poderia. Isso é pior que o lance da medalha. Pode ganhar uma medalha lutando mal, ou deixar de ganhar lutando bem. Minha busca é sentir que competi bem.

AE – E você sente que competiu bem?

Leandro Guilheiro – Quando sinto que lutei mal uma competição, são dois dias e duas noites bem ruins pra mim. Fico pensando muito naqulio tudo. No dia seguinte, já estou motivado para a próxima. Penso que a próxima vai ser diferente, mas infelizmente não tem sido.

AE – Vai ser diferente no Mundial?

Leandro Guilheiro – Eu tenho começado a treinar bem agora. Tenho sentido que meu treino tem andado há um tempo. Estou fazendo um judô melhor. Meu jogo tinha umas limitações, que apareceram em Londres e uma das coisas foi fazer coisas diferentes. Tenho sensação de que estou bem, que vou lutar bem. Essa transferência para competição é muito difícil de determinar quando vai acontecer. Se eu não tivesse a certeza que poderia lutar muito bem eu não teria voltado.

AE – Até aqui, entretanto, você não teve bons resultados. Mesmo assim foi chamado para o Mundial. Você esperava?

Leandro Guilheiro – Tenho duas medalhas olímpicas. Tenho que competir muito. Qualquer pessoa que entende de judô vai te falar a mesma coisa. Pegar ritmo, esse que é o trabalho. A gente está falando de seis meses de competições, contra dois anos sem vestir quimono. A equipe masculina não tem resultados excepcionais. Ninguém estagnou, mas ninguém está tendo tanto resultado.

AE – Mas houve surpresa por ser chamado? Você só foi convocado depois do Pan, quando o Rafael Silva estava machucado, mas também depois que o Victor Penalber deixou a desejar no Pan.

Leandro Guilheiro – Mundial tem disputa por equipes e certamente sou um cara importante para a equipe. Abrindo essa possibilidade e tendo como me chamar, eles sabem que eu luto bem a competição. Ela não me gera pressão, gera motivação. Pode ser ali que o gatilho que eu esteja esperando para conseguir pôr em prática meus treinos.

AE – Ainda dá para ir para a Olimpíada?

Leandro Guilheiro – Tem pelo menos cinco Grand Slam, tem muita competição. O que define Olimpíada é o ano da Olimpíada. A gente tem que ver como o atleta se comporta numa competição de grande porte. Eu duvido que simplesmente use os pontos de forma nua e crua. Um dos critérios é o ranking mundial porque pode representar algumas coisas. Eu não sei qual minha posição, não sei quantos pontos eu tenho. Se eu conseguir lutar, os resultados vão vir, as coisas vão vir.

AE – Existe rivalidade entre você e o Penalber? É muito diferente dos ciclos olímpicos que tinha seletiva, né?

Leandro Guilheiro – A gente lutava muito contra o mesmo atleta várias vezes. Em 2004 eu vivia em função do meu adversário, que era destro e alto. Só treinava contra caras destros e altos. Hoje não tem muito esse lance de rivalidade. Você não consegue ter rivalidade direta com pessoa.

AE – O fato de seus rivais no Mundial não estarem acostumados a pegar no seu quimono pode te ajudar?

Leandro Guilheiro – Acho que pode acontecer isso. Eu não sei como que meus adversários me veem, mas tem muito cara que achava que eu tinha parado. Mas eu acho que de repente correndo por fora você pode surpreender. Quem já lutou comigo sabe do meu potencial. Mas certamente se o cara for lutar comigo, o cara vai ter um certo grau de atenção. Não vai achar que estou morto, ou algo nesse sentido. Tem muito garoto que nunca treinei e nunca competi.

AE – Você disputa o Mundial pensando em medalha?

Leandro Guilheiro – Vou com a meta de lutar meu judô, fazer as cosias acontecerem e lutar bem. E aí medalha é muito consequência dessas cosias, do dia da competição. Obvio que a gente sempre luta por medalha, tendo duas medalhas em Mundiais Adultos. Mas isso está em segundo plano para mim.

AE – Desde que voltou, você tem participado de eventos com poucos atletas ou eliminado nas primeiras lutas. Ainda não teve uma competição de várias lutas. Tem folego para, se precisar, subir sete vezes ao tatame?

Leandro Guilheiro – Meu corpo está ótimo. Me sinto mais forte do que era há quatro anos. Alguns exercícios que não fazia para Londres, até por recomendação médica, hoje faço e não incomoda nem um pouco. Quero recuperar o ritmo de quando pesava 73kg. A questão da idade tem muito mais ganho do que perda nesse exato momento. Estou forte, resistente, e com vontade de vencer.

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