A difícil vida das jornalistas esportivas

Admitamos: a culpa é nossa. Fomos nós, homens, que transformamos o futebol (e tudo que o cerca) no microcosmo mais machista que existe no Brasil. Jogadores, dirigentes, jornalistas, profissionais técnicos – todos são ?chauvinistas?, como as feministas dos anos 60 adoravam dizer. E, com muito sacrifício, algumas mulheres estão rompendo esse cerco e ganhando notoriedade dentro do esporte. Heroínas, paladinas, musas? Não, apenas jornalistas que fazem seu trabalho e são respeitadas por isso.

É claro que as mulheres ganham espaço não apenas dentro da imprensa esportiva. Há exemplos de árbitras (como Sílvia Regina e Ana Paula Oliveira), psicólogas (Flávia Focaccia, do Coritiba, ganhou notoriedade no último mês) e até técnicas (Cláudia Guedes, que milita no futebol do Acre) que impõem respeito em áreas até há pouco dominadas por homens. E o próprio futebol feminino vai, aos poucos, ganhando força no País.

Mas mulher entendendo de futebol? Na mente retrógrada de alguns, é impossível. Mas Gisele Krodel Rech (repórter especial da Editora O Estado do Paraná), Ana Zimmermann e Delisiée Teixeira (repórteres da RPC) provam o contrário. Reunidas durante um debate da 1.ª Semana de Futebol e Comunicação, elas contaram seus percalços e mostraram mais uma vez que elas – e tantas outras – podem viver em um ambiente extremamente masculino e se projetarem, não por serem bonitas, mas sim pela competência.

Assim como qualquer amante de futebol, a paixão de Gisele e Ana pelo esporte começou cedo. “Meu pai jogou futebol, e desde cedo eu ia aos estádios”, conta Ana. “Eu sempre gostei, e quando morava em Recife tive a oportunidade de começar a jogar. Só parei pouco antes de terminar a faculdade”, lembra Gisele. Delisiée, mesmo não gostando de futebol quando criança, também sempre praticou esportes. “Joguei vôlei e basquete. Depois, virei fanática por esportes radicais.”

O desejo delas era claro. “Eu sempre quis fazer jornalismo, trabalhar em TV e falar de esporte”, revela Delisiée. Ao entrarem na faculdade, elas tiveram o primeiro problema: encontrar colegas que fizessem trabalhos sobre esporte. “Eu tinha que convencer as minhas amigas a fazer coisas ligadas ao futebol”, comenta Ana. “A minha sorte foi encontrar gente que também gostava de futebol”, reconhece Gisele.

O problema foi entrar – e se firmar – no mercado de trabalho. “Os homens acham que a gente não entende nada. Quando comecei a trabalhar, alguns profissionais me davam respostas imaginando que eu não ia saber”, revela Ana, que chegou a cobrir a Copa de 98 pela TV Globo. “É complicado, porque se você tem alguma dificuldade, é porque você é mulher. Não se fala na competência”, completa Gisele.

É complicado também lidar com a falta de tato de certos entrevistados. “Um dirigente, certa vez, foi muito mal-educado comigo só porque eu estava fazendo uma pergunta. Cinco minutos depois, ele ligou de volta pedindo desculpas, e aí eu falei ?tudo? para ele”, conta Delisiée. “Ás vezes, eles acham que podem nos impressionar, ou mesmo amedrontar”, concorda Ana.

Pior que isso, só o assédio. “Não sei se sou azarada, mas já aconteceu comigo. A repórter de jornal ficam quase sempre sozinha com o entrevistado, e aí alguns fica mais soltos. Tenho que cortar o cara na hora”, afirma Gisele. “Ainda bem que comigo essas coisas ainda não aconteceram”, rebate Ana Zimmermann.

Mas há o outro lado. “Quando a entrevista é meio tumultuada, qualquer um vai se virar para responder primeiro à jornalista”, garante Ana. “Quando descobri que o Bonamigo ia sair do Paraná e ir para o Coritiba, aproveitei a amizade que eu tinha com uma fonte de dentro do Alto da Glória. Muita gente falou bobagem sobre isso, mas sei que foi inveja dos colegas homens”, diz Gisele.

E dessas dicotomias vive o jornalismo – e as sempre intrincadas relações entre homem e mulher. Por isso, as três aproveitaram o encontro com os estudantes para reiterar lições simples, mas que sempre valem. “Ao chegar em um clube, você já é discriminada. Por isso, quem for trabalhar com futebol tem que entender”, avisa Ana. “E não pode desistir dos seus planos e dos seus sonhos”, finaliza Gisele.

A história começou com Malu e Sonia

Gisele, Ana e Delisiée são pioneiras de uma segunda geração de jornalistas esportivas. Com experiência internacional e reconhecimento local, elas potencializam o heroísmo de duas mulheres que abriram o caminho na crônica paranaense. Elas trazem em si o legado de Malu Maranhão e Sonia Regina Nassar.

Ambas começaram na imprensa no final dos anos 60 – Malu em O Estado do Paraná, Sonia no rádio. E elas se tornaram ícones daquela época, ainda mais no conservador mundo do futebol curitibano. A presença delas servia para arejar o ambiente, lembrando a todos que o mundo estava mudando, mesmo que isso parecesse estar longe do Brasil ditatorial e do Paraná ainda retrógrado.

Dessa nova leva, Ana Zimmermann é a mais experiente. Formada pela UFPR, trabalhou na TV Paranaense entre 1995 e 98, seguindo então para a Rede Globo, onde participou da cobertura da Copa de 98 e dos pan-americanos de 99, entre outros trabalhos. Hoje, é repórter especial da RPC, sendo requisitada pela editoria de Esportes para eventos importantes.

Delisiée Teixeira estudou na Universidade Tuiuti e tem pós-graduação em telejornalismo na UCLA, em Los Angeles. Está desde o ano 2000 na RPC, trabalhando na editoria de Esportes, e neste ano participou da cobertura dos pan-americanos e foi a enviada da TV Globo ao Mundial de Ginástica, em Anaheim.

Gisele Krodel Rech formou-se na PUCPR, e começou sua carreira trabalhando na rádio Difusora. Depois passou pela assessoria de imprensa do Coritiba e dali em diante seguiu no jornalismo impresso. Trabalhou na Gazeta do Paraná (onde cobriu o pré-olímpico de 2000) e desde novembro de 2000 está na Editora O Estado do Paraná como repórter especial e colunista da Tribuna do Paraná. Na Editora, ela cobriu jogos da seleção brasileira e a participação do Atlético na Libertadores da América de 2001.

O evento

A Semana de Futebol e Comunicação foi promovida pela Fábrica de Comunicação e pelo Núcleo de Estudos de Futebol e Comunicação da UFPR, este comandado pelo professor e jornalista Luís Paulo Maia. O encontro reuniu profissionais e estudantes em quatro debates, com o objetivo de discutir o tratamento dado pela imprensa ao futebol. Além de Gisele Rech, outros três jornalistas da Editora O Estado do Paraná participaram do evento: o editor de esportes Luiz Augusto Xavier, o repórter Cristian Toledo e o colunista Borba Filho. (CT)

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