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Olhos de águia: Fotógrafos revelam como é contar histórias pelas lentes da Tribuna

Átila Alberti em ação

“A Tribuna foi o ‘pai’ de muitos fotógrafos.” “Por mais comum que seja a pauta, a gente vai pra rua sempre pensando em trazer a capa”. “Fazer uma foto é filosofar olhando pela lente de uma câmera. E ser fotógrafo da Tribuna é um trabalho raiz, de muita responsabilidade. Tem que se virar, ir a locais perigosos.”

“O fotojornalismo da Tribuna sempre foi muito respeitado. A gente sempre pautou outras mídias”. “Tiroteio, acidente. Enquanto as pessoas correm do olho do furacão a gente tá indo pra dentro dele, porque a notícia está lá.”

As frases dos fotógrafos da Tribuna resumem a essência do jornal: revelar o dia a dia da grande Curitiba, se atirar nas felicidades e tristezas do povo, lutar junto a luta diária, noticiar a vida como ela é. E ser um celeiro de talentos. Atuar na Tribuna sempre foi um “certificado” diferenciado no currículo, que impulsionou muitos fotógrafos a carreiras nacionais, internacionais e “curitibanísticas”, sempre acolhidos pelo povo daqui.

Parece fácil fotografar fatos, pessoas e histórias. Mas não é! Exige muita sensibilidade e técnica, enxergar (e conseguir mostrar em foto) a dor por trás de um rosto, a solução que está escancarada, mas ninguém vê, o drible malandro antes da falta, a revelação de um crime na sutileza de um gesto. São qualidades que só quem já trabalhou na Tribuna aprende e que já levaram alguns ao Prêmio Esso, o primeiro, maior e mais conhecido do jornalismo brasileiro.

Assim ocorreu com Orlando Kissner, que trabalhava como motorista do jornal enquanto aprendia a fotografia. Ele teve a sorte de se deparar com um caminhão de dinamite explodindo bem na sua frente em 1976, em Curitiba. Uma das duas fotos que ele fez saiu no jornal. Aprimorou a técnica e, anos depois, por outros jornais que trabalhou, fez a Fórmula 1 e Copas de Futebol ao redor do mundo. Ganhou o Prêmio Esso com uma foto do Pelé, além do título de Bicho do Paraná.

Assim também foi com o já falecido Edison Jansen, com uma foto tirada durante uma invasão da Polícia Militar (PM) ao Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1968, em Curitiba. A imagem mostrava um estudante enfrentando a cavalaria da PM com um estilingue. Já o Denis Ferreira Netto, que ainda está na ativa, não venceu o prêmio. Mas foi finalista mostrando o acidente ambiental na Refinaria Getúlio Vargas (Repar), em Araucária. A imagem mostrava um pássaro coberto de óleo no Rio Iguaçu.

Orlando Kissner. Foto: Kleyton Presidente / Alep

Melhor ângulo

Átila Alberti está há quase 40 anos no jornal. Começou no setor gráfico aos 14 anos, até que já adulto entrou na fotografia. E é o último dos fotógrafos “das antigas” ainda em atuação na Tribuna. Já registrou muitas coisas, passou por centenas de perigos, apanhou.

Sua primeira foto foi um acidente na Rodovia dos Minérios. O José Pedro dos Santos, o “Pedrinho”, se atrasou para o trabalho naquele dia. Então o diretor mandou Átila – que na época trabalhava apenas revelando as fotos que vinham da rua – fotografar o local. Era um caminhão carregado de cal que bateu no muro de uma casa. O motorista morreu.

“Meu primeiro ‘presunto’ (morto). Fui tremendo. E pra fazer a foto que o diretor do jornal queria, tive que subir na carga de cal, passar por cima do cadáver e atravessar um rio. Era o único local que dava pra passar e tinha ângulo de foto”, disse Átila.

E era desta forma ousada, pulando muros, subindo em carros, buscando um “buraquinho” no portão, ou aproveitando uma instantânea abertura de porta é que muitos fotógrafos da Tribuna conseguiam incríveis fotos policiais e de treinos secretos de futebol. Tinha que ter muita habilidade para regular a câmera em segundos e pegar o melhor ângulo, antes de ser notado, apanhar ou levar um tombo.

Mas a Tribuna sempre entregou o que outras mídias não conseguiram “enxergar”, incluindo capas polêmicas como a “De 4”, que rendeu até processo.

Denis Ferreira Neto

“Malandragem” da melhor qualidade

E também tinha muita “malandragem” para conseguir a melhor imagem. Denis conta que foi cobrir a primeira prisão feita pela recém-inaugurada Delegacia da Mulher. O preso escondia o rosto. Até que Denis espertamente perguntou à delegada: “Doutora, essa cocaína aí é do preso?”. O homem imediatamente olhou para trás e disse: “Essa cocaína não é minha não.”

Denis já estava com a câmera pronta e registrou o suspeito de frente. Imagem essencial nas épocas que não havia o “politicamente correto” e se mostrava rosto de preso, documento de identidade, cadáver ensanguentado e dilacerado, gente pelada e bandido apanhando da polícia.

Imagens nunca feitas

Mas havia situações em que as fotos não eram possíveis. Não porque o fotógrafo não conseguia, mas porque não queria. Lineu Filho contabilizou muito mais que mil locais de crimes registrados em oito anos de Tribuna. Já fez fotos “escrachadas” e sem pudor, discretas ou intencionalmente desfocadas, com e sem corpo, com sangue, com “pedacinhos” de gente. Mas um caso, que ele tinha liberdade de fotografar, terminou com o cartão de memória vazio. Era a morte de duas meninas pequenas, assassinadas com golpes de machado na cabeça pelo ex-namorado da mãe delas.

“Eu podia esperar o perito saindo da casa com a enxada ensanguentada na mão, ou retirando os corpos. E pronto, teria a foto. Mas a cada momento uma informação nova e brutal chegava. O local estava tão ruim, pesado, que nem a fita de isolamento eu consegui fotografar. Eu só queria ir embora”, relatou Lineu.

Átila também já voltou para a redação sem fotos. Mas no caso dele, o motivo não era ruim. Pelo contrário, o momento era festivo. Ele foi convidado a voar com a Esquadrilha da Fumaça. “Mas o piloto fez tanta pirueta que eu fiquei tonto e não consegui fotografar. Também, não sei se faria diferença fotografar a parte interna do avião”, disse Átila, rindo e tentando justificar a “falha”. Talentoso e habilidoso nos cliques, dono de um bom humor invejável e um GPS inteiro na cabeça (ele sabe todas as ruas e atalhos da cidade), não havia repórter que não gostasse de sair com ele para as pautas.

E assim era a vida dos repórteres e fotojornalistas da Tribuna. Todo dia uma aventura diferente: subir morro, andar de avião, trem, balão e helicóptero. Navegar de navio, jet-ski, barco. Se esconder ou se camuflar no meio do povo para ouvir histórias. No mesmo dia, ir do homicídio no bairro à sala do governador, da delegacia ao campo de futebol.

Ou então se meter numa fria porque quer, como o Denis, que junto com o Mussa José Assis, que era repórter e depois virou diretor, pediram para entrar no presídio no meio da rebelião, para coletar fotos e histórias dos presos. De tempos em tempos, os policiais ajudavam pegando os rolos de filme e jogando por cima do muro do presídio. Algum funcionário da Tribuna ia do outro lado do muro pegar os rolos e mandar revelar na redação.

“A vida do jornalista não é normal. O jornalista é da rua, vive uma aventura diária, cada dia uma novidade, conhecendo pessoas e histórias”, ressalta Átila

A fotografia antigamente

Muito antigamente, a técnica era “rudimentar”, com sistemas que “queimavam” papéis sensíveis à luz. Depois, veio a era do filme em negativo, com fotos pretas e brancas, que perdurou décadas na Tribuna. Muitos dos fotógrafos de sucesso, que começaram em serviços diversos no jornal (office boy, auxiliar de rotativa, “pastapeiro”, etc.), foram à fotografia aprender a revelar as fotos que vinham da rua.

Assim foi com o Orlando e o Átila. O último chegou a fazer um curso de químicos, pois a revelação e “impressão” da foto dependia do material ser banhado em vários químicos. Um deles era o HC-110 que, segundo Átila, era chamado de “bomba”. O químico era usado na guerra, quando soldados iam fotografar o campo de guerra e precisavam revelar a imagem urgente, para mandar ao comando. Minutos faziam a diferença na estratégia.  A revelação com esse químico durava cerca de 40 segundos, muito rápido para os padrões da época.

Porém mais demorado que isso era transmitir as fotos para outros locais. Orlando conta que quando iam cobrir futebol em outras cidades, era preciso montar um laboratório de revelação no hotel onde se hospedavam. E depois de revelar, transmitiam a foto por sinais de rádio (radiofoto) à redação. Enquanto a revelação com HC-110 demorava 40 segundos, a transmissão durava 40 minutos. Por isso elas tinham que ser bem escolhidas e já enviadas no formato e ângulo final para a diagramação ou a capa.

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