Você conhece ele?

O homem que nunca existiu, mas fez Curitiba acreditar que sim: Darta e as Triboladas

Osni, Dante e Bório, alguns dos "Dartas" ao longo da história da Tribuna. Foto: Arquivos pessoais

Se houvesse uma Tribuna largada sobre o balcão de uma borracharia, mercearia ou autopeças, era fácil adivinhar qual página os leitores abriam primeiro nas manhãs de segunda-feira. Não era a capa, a policial ou o esporte. Iam direto na coluna do Darta, as “Triboladas”, um mix irresistível de humor, sarcasmo, futebol, política e mulheres quase peladas. Receita perfeita de sucesso por décadas.

E adivinha o motivo da enxurrada de cartas e telefonemas que entupiam a redação da Tribuna? Eram leitores apaixonados pelas modelos das fotos, pedindo o telefone delas, o nome da boate onde trabalhavam, simplesmente querendo saber como encontrá-las. Ou homens que queriam apenas um “parabéns” por seu aniversário na coluna do Darta, só para ver seu nome ao lado das beldades.

E o público jurava que o Darta existia de verdade: um homem rico, bonachão, sedutor, morador de uma mansão em Santa Felicidade, cercado de belas mulheres peladas dentro das inúmeras suítes da mansão. E a redação, claro, fazia questão de manter o mistério. Era um personagem coletivo, criado por jornalistas que se revezavam no papel, cada um colocando um pouco de si na personalidade do Darta.

Bonachão e saudosista

O jornalista Carlos Bório, que assumiu a coluna nos últimos anos, fala com carinho do personagem. “Pra mim, o Darta é aquele saudosista dos velhos tempos de jornal, que gostava do cheiro da tinta e de ver o jornal rodando na rotativa. Era boêmio, sabia de tudo da cidade, política, futebol, fofoca. Um bonachão, que curte macarronada com frango assado e cervejinha gelada no domingo, sempre pronto pra aprender uma nova piada.”

Além das meninas, Bório lembra que quando um dos times da capital perdia no domingo, os leitores iam direto segunda-feira na Triboladas para ler qual era a sacanagem com o adversário. “Era outro tempo, uma Curitiba mais inocente e divertida.”

Darta tem uma ironia imortal

O escritor e jornalista Dante Mendonça foi um dos “Dartas” mais emblemáticos. “O Darta nasceu com o nome inspirado em Dartagnan, dos Três Mosqueteiros. E a Triboladas era a única coluna do gênero nos jornais da cidade. Antes de mim, quem escrevia era o Hugo Sant´Ana”, conta ele.

Dante lembra que as piadas da coluna vinham de todos os lados: da redação, dos leitores e da rua. E as fotos vinham das boates de Curitiba ou de revistas estrangeiras. As meninas eram chamadas de “Bem Boladas”.

“As garotas inspiraram até um baile de Carnaval na Sociedade Batel. Algumas eram fotografadas especialmente para a coluna, outras mandavam suas próprias fotos. O sucesso era tanto que, às vezes, sair na Tribuna era mais importante que desfilar no baile”, conta Dante. E entre as modelos tinha de tudo: as mães que descobriram pela Tribuna que as filhas não eram o que a família pensava, ou filhas que queriam afrontar os pais e pediam para ter fotos publicadas.

Abaixo, um trecho da entrevista fictícia que o próprio Darta “deu” à Tribuna nos anos 1990, segundo Dante, um texto que resume com perfeição o espírito do personagem, nessa época um Darta mais boêmio e irreverente:

– Como o Dartagnan entrou na Tribuna?

“Na época, o Bar Palácio era quase ao lado do jornal, na Barão do Rio Branco. Errei de porta e nunca mais saí.”

– Por que nunca se deixou fotografar?

“Ensinei esse truque pro Dalton Trevisan. Se um dia eu falhar na cama, sempre posso dizer que o infeliz era outro.”

– Qual foi o maior furo da Triboladas?

“Em 1970, mandei nosso repórter Massachussets da Silva pro México pra cobrir a Copa. Ele se perdeu no caminho e só voltou seis meses depois. Sem dúvida, o maior furo foi esse.”

Essa irreverência era a marca registrada de Dante (e do Darta). “Ele era o Fantasma dos quadrinhos em versão curitibana. Nunca morre, apenas muda de rosto”, define o jornalista.

Delícia era provocar o leitor

Outro que deu vida ao personagem foi Osni Gomes, que imprimia um caráter “sarrista” e sedutor. “O Darta tirava sarro de tudo: da política, do futebol, da polícia. E a gente escrachava mesmo. Às vezes o Charles (diretor da Tribuna) mandava dar uma segurada, mas o público adorava”, conta rindo.

Osni lembra dos tempos em que a censura já havia afrouxado e o humor podia ser mais ousado. E ser o Darta lhe abriu algumas portas, como convites para lançamento de revistas sensuais. Numa delas, tirou foto com a Sabrina Sato, que veio a Curitiba lançar sua Playboy.

Zorro ou loira fantasma?

O Darta é como o Zorro: personagem mascarado, misterioso, eterno. Mudava de autor, mas nunca perdia o espírito debochado e provocador que o tornava único. A Triboladas riu da ditadura, do futebol, dos costumes, e sobretudo, de si mesma. Hoje, com a migração para o digital, fica a pergunta: quem será o próximo Darta da Tribuna?

Ninguém sabe. E talvez seja melhor assim. Que seja como a loira fantasma do táxi, que todo mundo tenta descobrir quem foi, mas nunca consegue. Pois como toda boa lenda, o Darta continua lá no imaginário curitibano, gargalhando num balcão de bar, cercado de amigos e piadas novas, pronto para a próxima Bem Bolada seminua sentar em seu colo.

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