Sítio Cercado

Reféns do medo

Escrito por Magaléa Mazziotti

A alegria que se notava há dois anos, quando a Associação de Materiais Recicláveis Mutirão conseguiu realizar o projeto de cozinha comunitária Mutirão Profeta Elias, no Eco Cidadão Osternack, deu lugar ao medo. O projeto, que foi noticiado no Caçadores de Notícias, desde dezembro parou devido à pouca quantidade de doações de alimentos e recursos que propiciavam aos catadores de materiais recicláveis três refeições: café da manhã, almoço e café da tarde.

Mas o pior aconteceu no mês seguinte, quando o barracão sofreu cinco assaltos à mão armada em períodos onde havia catadores trabalhando.  Tudo isso somado à queda na renda por conta do período do ano e do aumento dos gastos de cada catador para arcar com segurança privada, já fez com que praticamente metade dos trabalhadores desistisse do trabalho.  “Éramos 83 no início do ano e, agora, somos em 46 catadores e esse número deve diminuir ainda mais porque as ameaças continuam e todo mundo sente medo de vir trabalhar”, explica a presidente da associação, Sandra Mara de Lemos, 43 anos. “E o alvo são os Ecos, porque dos 21, somente quatro não foram roubados”, acrescenta.

Do último assalto, ela ficou com a clavícula trincada. “Além da dor, fiquei duas semanas sem conseguir trabalhar e, agora, toda vez que toca o interfone do portão eu gelo de medo”, explica Sandra, que vem recebendo ligações telefônicas dizendo “pode preparar a grana que iremos voltar”.

Presidente se assusta a cada toque do interfone. Foto: Giuliano Gomes
Presidente se assusta a cada toque do interfone. Foto: Giuliano Gomes

A presidente explica que desde janeiro não existe mais dinheiro no local, pois todos os catadores foram obrigados a abrir conta bancária para receber e evitar assaltos. “Esses gastos, mais a falta da cozinha comunitária e custo da segurança privada com câmeras, diminuíram ainda mais os nossos ganhos no final do mês”, conta.

Sandra constata com tristeza a mudança no ambiente de trabalho. “Conseguimos superar tanta coisa nesses 12 anos de associação e três de EcoCidadão Osternack. A vizinhança que antes implicava com a nossa presença, hoje nos apoia, reconhecendo o valor do catador e da separação do lixo. Até o supermercado chama o pessoal daqui para recolher resíduos. Só que essa insegurança e o fim das refeições deixam todo mundo tenso”, avalia.

Hoje o barracão recicla, em média, 115 toneladas por mês. Novos equipamentos, como balança e fitilho, já foram repostos no lugar dos equipamentos roubados. Além do barracão do Eco Cidadão, a associação conta com outro barracão na Rua Agenor Antônio Rodrigues, também no bairro Sítio Cercado. Apesar de não ter cobertura e estrutura adequada, alguns catadores estão preferindo trabalhar lá em busca de segurança.

A Polícia Civil, por meio de sua assessoria, informou que está investigando o caso e solicita a colaboração da população. Quem tiver imagens ou informações sobre os suspeitos deve procurar a Delegacia de Furtos e Roubos.

Gestão dos barracões terá novo modelo. Foto: Giuliano Gomes
Gestão dos barracões terá novo modelo. Foto: Giuliano Gomes

Autonomia conquistada

Na avaliação da Associação de Materiais Recicláveis Mutirão, Sandra Mara de Lemos, a boa notícia em meio a tudo isso foi a mudança que vem sendo implementada pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente em relação à gestão das unidades de triagem de material reciclável. A partir de um credenciamento que ficará aberto até o final do ano, as associações e cooperativas (constituídas há mais de dois anos) serão remuneradas pelo volume de material que chegar aos barracões, encaminhado diretamente pela SMMA.

O órgão se compromete a destinar para cada unidade o mínimo de 10 toneladas semanais de recicláveis. Além dos resíduos recolhidos pelos caminhões de coleta seletiva, as unidades de triagem receberão também o volume recolhido nas Estações de Sustentabilidade.

De acordo com a secretaria, a remuneração por tonelagem irá se somar aos valores provenientes da venda dos recicláveis pelas entidades. Além disso, o edital de credenciamento estabelece que quanto maior for o índice de eficiência em reciclagem maior será o repasse de resíduos recicláveis para as associações, possibilitando dessa forma um maior investimento. “Com esse ganho de autonomia, cada unidade vai poder gerenciar melhor os ganhos, sem a burocracia que tinha antes, até mesmo para receber o valor do material reciclado”, aponta Sandra. A lista completa dos documentos e pré-requisitos para credenciamento está disponível no link: http://multimidia.curitiba.pr.gov.br/2014/00157285.pdf

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Magaléa Mazziotti

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