Impor a ordem na base da “porrada” e da coação moral. Esta é a denúncia que a Tribuna recebeu, contra funcionários de uma empresa de segurança atuante no bairro Rebouças. Os vídeos recebidos pela redação mostram os vigilantes ameaçando e batendo em moradores de rua e viciados em drogas que estejam circulando pelos arredores da empresa no período da noite. Em uma das imagens é possível identificar o nome da empresa, Skyline, que fica sediada na Rua Almirante Gonçalves.

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Num dos vídeos, o segurança aborda um rapaz porque ele rasgou um saco de lixo na região. Com o rapaz ajoelhado, aperta o pescoço dele com uma tonfa (espécie de cassetete) dizendo: “Tá rasgando lixo no bairro. Eu falei que eu te pegava né. Vou te dá pros piá da vila depois”, diz o funcionário, referindo-se ao fato de que entregará o rapaz ao pessoal da Vila Torres, para que sua infração seja “julgada”. Depois, o segurança pega o rapaz pelos cabelos e o obriga a repetir “eu nunca mais vou rasgar lixo na vila”.  Em seguida, manda o rapaz limpar a sujeira que ele fez, “pra eu não precisar mais bater em você”, diz o segurança, reforçando a ordem com mais algumas pancadas nas costas do rapaz.

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No outro vídeo, o funcionário – não é possível identificar se é o mesmo – aborda outro jovem e o revista em busca de armas e drogas. A atitude é irregular, já que empresas de segurança privada não podem fazer abordagens em locais públicos. Esta é uma função da Polícia Militar. O segurança pergunta o nome do jovem e o que faz na vila. Quando o rapaz diz que conhece os traficantes locais, o segurança avisa: “Os cara (traficantes) são parceiro meu ‘véio’. Então negócio é o seguinte. A área aqui é minha, tá ligado? Pode avisar os ‘nóia’ que o caveira (gíria militar que identifica policiais de equipes de elite) voltou e comigo vai ser assim o esquema, entendeu? Vou te liberar agora e não vou te espancar. Vou ser parceiro. Então vaza, não quero você circulando na minha área”, diz o funcionário.

Em seguida, o segurança pega o rapaz pelos cabelos e o obriga a repetir algumas frases. Depois manda o rapaz circular, sem olhar para trás. Caso contrário, daria tiros no “suspeito”, dando a entender que estaria armado. Conforme o denunciante, outros seguranças irregulares do bairro (destes que ficam de moto apitando quando passam em frente á casa dos clientes que contribuem com o serviço) também atuam nas agressões, junto com os funcionários da Skyline.

Confirma

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
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A Tribuna esteve no bairro, nas quadras ao redor da empresa, conversando com moradores, comerciantes e até mesmo com viciados em drogas que circulam aos montes por ali durante o dia. Por motivos de segurança, ninguém quis ter o nome divulgado. Entre os comerciantes, vários relataram que nunca presenciaram (porque as agressões ocorrem somente à noite e de madrugada), mas que este é um comentário forte, que circula há semanas no bairro.

Já entre os viciados em drogas e moradores de rua, os três que conversaram com a reportagem confirmam que as agressões existem. “A gente não pode circular aqui à noite que eles metem a borracha mesmo. É a função deles né, manter a ordem aqui no bairro. Ninguém pode revirar lixo ou fazer qualquer coisa errada aqui na vila, que eles batem mesmo. A gente até evita andar por aqui a noite”, disse o viciado em drogas, resignado com a atuação da empresa. Ele abordou a equipe de reportagem pedindo dinheiro para fumar crack, sem saber que se tratavam de repórteres, visto que a equipe circulou com um carro descaracterizado.

Não tem como fazer BO

O denunciante que procurou a Tribuna disse que já acionou a Polícia Militar e a Civil. Porém ambas as instituições lhe pediram que a vítima estivesse presente, para registrar um boletim de ocorrência. “Mas como que eu vou achar ‘nóia’ no meio da favela. E morador de rua apanha e vaza daqui, vai procurar outro lugar”, disse o denunciante, que foi orientado a procurar a PM novamente quando as agressões estivessem acontecendo, ou que procurasse a Polícia Federal, já que é ela que fiscaliza (administrativamente) as empresas de segurança privada.

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“Tem muitos donos de residências e estabelecimentos que reclamam que a frente dos imóveis amanhecem sujas, porque os moradores de rua que dormem em frente defecam, fazem xixi, deixam resto de comida, roupas fedendo. Então onde tem placa da empresa de segurança, os vigilantes não deixam os moradores de rua dormir. Já chegam metendo chute, batem com a tonfa. Tem um funcionário que trabalhou lá e batia no pessoal na rua. Mas ele saiu da empresa e agora que voltou, prometeu fazer uma limpa no bairro. Só que voltou mais agressivo, está passando dos limites. Um desses rapazes dos vídeos teve até um corte na cabeça, das pancadas que levou”, conta o denunciante, que ainda diz que, durante o dia, os seguranças da empresa fazem abordagens “normais” em viciados que estão incomodando moradores e comerciantes. E é a noite e madrugada que as agressões acontecem.

Um comerciante contou à Tribuna que sabe das agressões. E que também já teve intenção de romper o contrato com a Skyline, porque não está satisfeito com o serviço. Mas, por causa das atitudes dos funcionários e porque o dono da empresa fala que conhece todo mundo ali no bairro, o comerciante diz que tem receio de romper o contrato e sofrer represálias. “Vai que acabam entrando aí, levam coisas, quebram tudo. O prejuízo vai ser maior”, disse ele, sentindo-se coagido.

Tem que ter registro

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

A Tribuna procurou a Polícia Federal (PF), para saber se a Skyline está regular ou não, pois todas as empresas que trabalham com segurança privada precisam, por lei, serem cadastradas e fiscalizadas pela PF. E a empresa não tem os devidos registros na PF para atuar como segurança privada. Inclusive foi notificada, na última segunda-feira, para que dentro de 10 dias regularize a sua situação. E conforme os agentes da PF, o proprietário mostrou-se interessado em regularizar o serviço.

Ainda conforme a Delegacia de Segurança Privada (Delesp), da Polícia Federal (PF), a Skyline já tinha sofrido fiscalização há cerca de cinco anos e, por não estar regular, foi notificada. O proprietário iniciou o processo de regularização mas, bem ao final, informaram os agentes da Delesp, ele desistiu. Desta forma, passou todos estes anos atuando irregular, já que em sua fachada a Skyline descreve “vigilância e segurança privada” e promete serviços como segurança patrimonial, escolta armada, monitoramento eletrônico, além de atuar em festas e eventos com os serviços de segurança, serviços que exigem o cadastro na PF.

O único serviço que a Skyline presta e que não precisa de registro na Delesp é o monitoramento eletrônico, que é a instalação de câmeras nos imóveis dos clientes e monitoramento das imagens à distância, através de uma central eletrônica.

Pode usar armas?

Sobre o uso de armas, explicaram agentes da Delesp, vigilantes precisam fazer diversos cursos exigidos por lei e estarem registrados na Polícia Federal. No entanto, só podem andar armados dentro do estabelecimento onde cumprem serviço, já que cumprir as exigências legais para atuar como vigilante não dá direito ao porte de arma. Por isto, encerrando o seu plantão, os vigilantes precisam deixar as armas no cofre da empresa (como os vigilantes de banco, por exemplo). E se for necessário transportar a arma de um lugar a outro (como no caso da empresa de segurança ir atuar em algum evento, por exemplo), é necessário tirar uma guia de transporte de arma na PF.

E os vigilantes também não podem fazer abordagens em ambiente público, visto que esta é uma prerrogativa das forças de segurança pública (Polícias Civil e Militar e Guarda Municipal). Ou seja, empresas de segurança só podem atuar intramuros, dentro da área do cliente. Conforme os agentes da Delesp, atuar fora dos muros do cliente recai em crime de usurpação da função da PM. O mesmo vale para seguranças que passam de moto em frente à casa dos clientes apitando, ou para vigilantes particulares que instalam guaritas em via pública, para monitorar a rua, pedindo uma contribuição em cada residência.

Pessoas com antecedentes criminais não podem ser vigilantes, nem proprietários de empresas de segurança privada. Em relação às agressões, a PF orienta que as vítimas procurem a Polícia Militar ou a Polícia Civil e registrem a ocorrência.

Proprietário tomará providências

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Apesar da Skyline estar no nome de duas mulheres, Michael Costa, 41 anos, identificou-se como proprietário e conversou com a Tribuna. Ele disse estar surpreso com os vídeos das agressões e afirma que isto não partiu da empresa, tratando-se de atitudes isoladas de funcionários.

“Moro há mais de 20 anos aqui no bairro. Sou uma pessoa muito conhecida. Inclusive ajudo a comunidade na questão da segurança. Até pessoas que não sejam meus clientes, acabo dando um auxílio. Somos amigos do bairro, não inimigos. Não quero problemas com morador de rua, com ninguém. E assim que descobrirmos que profissional fez isto, ele será punido”, disse Michael, mostrando-se disposto em verificar o problema.

O empresário ainda explicou que, diferente dos funcionários, que saem do plantão e vão embora para casa, em outros bairros, ele e a família moram por ali. “Atuo há quase 11 anos na região. É a primeira denúncia que surge contra a minha empresa, que além de familiar, tem diversos projetos sociais para ajudar a comunidade. Me preocupo com a minha região. Somos uma família, temos sonhos e estamos à disposição para apurar o que houve e ajudar”, afirmou Michael, que tem cerca de 30 funcionários na Skyline. (GU)

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