Curitiba

Torcedores de fé

Escrito por Giselle Ulbrich

Imagina um paranista, um atleticano e dois coxas-brancas, partindo para uma caminhada de 32 dias e 820 quilômetros no Caminho de Compostela, na Espanha. O que será que isso vai dar? Eles garantem que vai resultar em pessoas espiritualmente melhores e que o futebol será apenas um detalhe da amizade que certamente se tornará mais forte. Os quatro torcedores embarcam no feriado de Sete de Setembro. Para aguentar o peso da mochila, só podem levar o essencial (roupas, sapatos e remédios). Mas é claro que as camisas do Trio de Ferro não vão faltar.

Quem teve a ideia da viagem foi o comerciante e atleticano Juarez Seppulcre, 62 anos. “Eu andava juntando dinheiro, sem saber pra quê. Eu queria um desafio. Um amigo meu foi pra lá, falou da viagem, gostei e decidi ir”, disse Juarez, que convidou vários amigos. Os que toparam foram o comerciante e paranista Ademir Schnorr, 60, o empresário e coxa-branca Marlon Maziozeki Rocha, 50, e seu filho, também coxa-branca, Leonardo de Lara Rocha, 30, que aceitou a peregrinação para comemorar o aniversário do pai.

Juarez diz que seu objetivo com a viagem é se tornar uma pessoa melhor. “É claro que quando começamos a pesquisar sobre a viagem, entendemos o que é peregrinação, vemos que um dos apóstolos está enterrado lá, entre outros detalhes religiosos da história. Mas quero refletir, levar uma vida melhor”, revela ele, que quando chegar na catedral de Santiago de Compostela, aposta que vai chorar muito de emoção.

O paranista Ademir pretende ir guiado pela fé, ter um momento para refletir, encontrar conceitos diferentes, além, é claro, do turismo, pois sabe que encontrará muitas paisagens bonitas na estrada. Ele está desde fevereiro se preparando fisicamente na academia, fazendo acompanhamento cardiológico com as duas filhas, que são cardiologistas, realizando caminhadas longas e acordando às 5h, já que este deve ser o horário em que vão levantar todos os dias. “Isso é um projeto, envolve toda a família”, conta ele, que ganhou das filhas uma camisa nova do Paraná Clube, personalizada com seu nome, para usar na viagem.

Mesmo assim, ele sabe que é a fé que vai guiá-lo. “Falam pra nós que ao chegar lá não tem superatleta. 70% do caminho é a mente e apenas 30% é o preparo. A gente já sabe que vai sentir dores. Só tem que cuidar para não ter lesões. E são as dificuldades que fazem a alma melhorar, entender a essência da vida. Vamos conhecer muita gente diferente, trocar experiências, saber o que elas pensam. Você volta diferente. É emocionante”, analisa.

Em família

Marlon e o filho Leonardo estão ansiosos pelo momento de reflexão, olhar para o próprio interior, se descobrir, achar caminhos de vida diferentes, que às vezes não conseguem enxergar na correria do dia a dia. “Eu já praticava atividade física, estou apenas intensificando as caminhadas. Mas meu pai está se preparando há meses com personal [trainer], academia, alongamento”, diz Leonardo, que além da camisa e bandeira do Coxa, também levará canetas e um diário para anotar tudo o que verão e sentirão da viagem.

Mas e o futebol, hein?

Juarez garante que são amigos e o futebol não interfere na viagem. “Só serve para brincar e tirar sarro um do outro. Um atleticano é muito mais forte que todos os paranistas juntos e mais os coxas”, provoca.

Já o Ademir, paranista, lamenta que o seu time andou “escorregando” em algumas partidas e perdeu de ganhar uma boa grana. “Os outros têm vantagem porque tem time maior, estádio maravilhoso, disputam com times grandes, mas ainda bem que a amizade é boa. Mas apesar da brincadeira, o objetivo é o desafio, trabalhar a mente. O futebol faz parte”, diz.

Por sua vez, Leonardo, coxa-branca “roxo”, fala que fará mentalizações positivas pra ver se o seu time engrena. “Mudança de jogador, de diretor, vamos ver se agora vai. Quando chegar em Santiago de Compostela, vou abrir a bandeira lá, fotografar e mandar pro clube”, promete. Na quinta-feira passada (31 de agosto), os viajantes reuniram amigos em um churrasco no Bar do Toninho e receberam a bênção do padre Gabriel Figura, da Igreja dos Passarinhos.

Foto: Felipe Rosa
Foto: Lineu Filho

Desafios pro corpo e mente

Existe uma centena de caminhos para Santiago de Compostela, que saem de vários países da Europa. O local, no noroeste da Espanha, na província da Galícia, é o terceiro maior roteiro de peregrinações do mundo, perdendo só para Roma e Jerusalém. São mais de 300 mil peregrinos ao ano na região.

Apesar de existir mais de uma centena de caminhos, eles acabam se interligando com 10 principais rotas: Caminho Francês, Caminho de Fisterra – Muxía, Caminho do Sudeste – Via la Plata, Caminho Inglês, Caminho Primitivo, Caminho do Norte, Rota do Mar de Arousa e Rio Ulla, Caminho de Inverno, Caminho Português e Caminho Português da Costa. Os torcedores do Trio de Ferro escolheram o Caminho Francês, que é um dos primitivos, feito pelos primeiros peregrinos.

O grupo sairá de Curitiba, fará escalas em São Paulo e Madri, para desembarcar em Biarritz. De lá, pegarão um trem até Saint-Jean-Pied-de-Port, no litoral sul da França, onde começará a caminhada de 820 quilômetros, que deverá durar de 30 a 32 dias. Eles devem avançar entre 25 a 30 quilômetros por dia. A pior parte, acreditam, será o primeiro dia de viagem, onde terão que subir a cordilheira dos Pirineus, uma cadeia de montanhas com 1.600 metros de altura (mais que o dobro da altura de montanhas da Serra da Graciosa, por exemplo). Lá é outono e há grandes chances de pegarem muita chuva e temperatura amena.

Quando chegarem na catedral, assistem a missa e ganham o certificado de conclusão da peregrinação. No caminho, eles levam uma espécie de passaporte, onde vão recebendo carimbos dos locais por onde passam e assim é possível verificar quantos quilômetros andaram. “Depois pretendemos passar um dia na cidade, sentir a energia, ver o semblante das pessoas que estarão concluindo o percurso naquele dia”, diz Leonardo.

Conforme o jornalista brasileiro Daniel Agrela, que já fez o percurso duas vezes e escreveu um livro sobre a viagem, de uma lista de 143 países, o Brasil é o 13º que mais envia turistas para a Santiago.

História de Santiago de Compostela

Acredita-se que é lá que está enterrado o corpo de um dos apóstolos, Santiago Maior (ou somente Tiago, o primeiro dos 12 apóstolos de Jesus Cristo a ser martirizado). Após a morte de Jesus, Santiago continuou sua pregação na região hispânica. Depois de ver a imagem da Virgem Maria às margens do Rio Ebro, voltou para a Judeia, onde foi decapitado em Jafa ou Jerusalém, em 44 d.C.

Seus discípulos levaram seu corpo de barco, de volta à Península Ibérica, para ser sepultado. No século 8, descobriu-se que o corpo de Santiago havia sido sepultado lá e, no século nove, foi erguida a catedral no local do sepulcro. Desde a descoberta dos restos mortais do apóstolo, peregrinos de todo o mundo começaram a ir até lá como forma de conseguir indulgência (perdão parcial ou total de seus pecados), de purificação e fortalecimento espiritual. Hoje, nem todos os peregrinos vão com objetivos religiosos, mas todos querem “conversar com si mesmos”. Há peregrinos de várias religiões.

Símbolo dos peregrinos

A concha de vieira, muito comum no litoral da Galícia, é usada como símbolo de Santiago de Compostela. Quando o corpo de Santiago Maior era levado de barco para ser sepultado, já na costa ibérica, uma tempestade forte atingiu o navio e o corpo caiu ao mar, desaparecendo. O corpo teria reaparecido na praia, coberto por vieiras.

A concha também tem outras simbologias. Era usada pelos peregrinos para pegar água e comida, nas casas e comércios ao longo do percurso. Seus sulcos profundos, que se juntam num só ponto da concha, também mostram como as várias rotas dos peregrinos se unem a um só lugar.

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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