Curitiba

A tatuagem conquistou o brasileiro. Mas significados exigem cuidados!

Jorge Luiz Werbitzki, perito forense que por 32 anos acumulou experiência em analisar tatuagens de cadeia. Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
Escrito por Maria Luiza Piccoli

Tatuagens fazem parte da nossa cultura, mas é preciso ficar atento ao desenho que você escolhe porque ele pode significar coisas ‘sinistras’

De um lado a livre expressão. De outro o estigma. Enquanto para muitos as tatuagens são vistas como arte, para outros – principalmente os mais tradicionais – os desenhos estão associados à marginalidade. Apesar da polêmica, o “boom” na procura por estúdios regularizados nos últimos cinco anos mostra que as tattoos, de fato, caíram no gosto (e na pele) do brasileiro.

Segundo o instituto alemão Dalia que, no ano passado, ouviu 9 mil internautas de 18 nacionalidades, o Brasil ocupa o oitavo lugar no ranking mundial de países onde mais se fazem tatuagens. Se você faz parte do grupo dos “pintados” ou pretende entrar para o time, a Tribuna dá uma de vovó e faz o alerta: cuidado com o desenho ou símbolo que escolhe. Afinal, como em tudo na vida, nem sempre as coisas são o que parecem e, sem querer, você pode acabar marcando a pele com uma figura que pode vir a lhe trazer problemas.

Para te ajudar a escolher com sabedoria e não acabar numa fria por conta da arte que, para você pode parecer inofensiva, a Tribuna conversou com o perito prosopográfico, e estudioso da simbologia de cadeia, Jorge Luiz Werbitzki que, por 32 anos dedicou-se à perícia e à arte forense. Ele esclarece que, por trás daquela delicada e pacífica carpa oriental ou do simpático personagem “Taz”, da turma do Pernalonga, podem existir significados mais sombrios do que se imagina.

Prática milenar de modificação corporal, já na Grécia Antiga (V a.C.), a tatuagem servia como forma de identificação de prisioneiros de guerra e escravos. Entre as culturas egípcias, entre 4.000 e 2.000 a.C., a marcação definitiva da pela era atrelada à religião. Símbolo de identificação tribal desde os primeiros registros realizados por exploradores europeus em comunidades orientais, a prática da tatuagem difundiu-se pelas civilizações ocidentais no período das grandes navegações, chegando a ser adotada oficialmente pelo governo inglês como selo para criminosos, em 1879: estigma que, até hoje, representa a visão de boa parte da população mundial em relação à técnica. Afinal, quem nunca ouviu da vovó que “tatuagem é coisa de bandido”?

Independente das divergências, a tatuagem caiu no gosto do brasileiro. Segundo os dados do levantamento do instituto Dalia, 37% da população do país é tatuada. No ranking mundial liderado por Itália, Suécia e Estado Unidos (nesta ordem) – ocupamos o oitavo lugar entre as nações mais adeptas da tattoo. Vantagem para os profissionais do ramo que, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), cresceu quase 25% entre 2016 e 2017.

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Grandes, pequenas, discretas, clássicas ou coloridas. As possibilidades são infinitas. Se você começou 2019 já pensando na sua próxima, ou primeira tatuagem, vale destacar que é bom prestar bastante atenção antes de escolher o desenho. Símbolo da delimitação de grupos, não é raro que as tattoos guardem ligação com ideologias de pensamento ou comportamento, estando muitas vezes atreladas a códigos de linguagem, como acontece dentro dos presídios e entre membros de facções criminosas. “Na cadeia a tatuagem tem diversas funções. Desde identificar a qual grupo determinado detento pertence até seu nível de periculosidade ou comprometimento com a facção. As tatuagens delimitam grupos e expressam aquilo que sentem, pensam e como agem”, explica Werbitzki.

Significados

Levado mais a sério do que se imagina, o ritual da tatuagem dentro das penitenciárias não obedece às normas sanitárias, porém estabelece códigos invioláveis, cujo descumprimento pode resultar na própria morte de quem brinca com o assunto. “Quem vai preso, seja ligado ou não a alguma facção, na hora que entra na cadeia precisa escolher a que grupo vai pertencer lá dentro, para sua própria segurança. Para tanto, os indivíduos são testados pelos líderes das facções, que levam em consideração a ‘periculosidade’ dos novos membros ou os motivos pelos quais foram presos. A partir disso, basta um caco de vidro e tinta de caneta para identificar às vezes à força o novato”, conta.

Armas, animais, números, pontos. Ao todo, o perito contabilizou mais de 20 mil tatuagens diferentes que constam nos “catálogos” dos tatuadores do crime. O material, resultado de uma apuração de nada menos que 32 anos de profissão, será divulgado em breve num livro de sua autoria, cuja previsão de lançamento é para o segundo semestre deste ano. Para explicar o significado de algumas das principais tatuagens de cadeia, a Tribuna pediu ao perito que selecionasse as mais corriqueiras e explicasse a respectiva simbologia atrelada ao desenhos aparentemente inofensivos.

Carpa

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
Fotos: Pixabay

Um dos símbolos prediletos do Primeiro Comando Capital (PCC), atuante em quase todos os estados da federação, o exótico peixe representa aquele que “nada contra a correnteza”. Enquanto na cultura chinesa a carpa está atrelada à honra, entre os membros da facção criminosa, seu significado é bem diferente, estando quase sempre associado aos indivíduos que possuem passagens por tráfico de drogas ou formação de quadrilha. Em posição acendente (com a cabeça para cima), o peixe indica que o indivíduo detém certo status na organização, como gerente ou líder. Já em posição descendente (com a cabeça para baixo), a carpa indica privilégios dentro do grupo.

Palhaço/Coringa

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Simboliza roubo, formação de quadrilha e homicídio de policiais. Associada à malandragem, quando a figura é tatuada com lágrimas, indica que amigos ou parceiros do portador foram mortos. Já quando cercada por caveiras, indica que o portador é também matador de policiais.

Faca na caveira

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Indica matadores de policiais, porém, só pode ser feita em quem, de fato já cumpriu tal crime. Costuma ser ostentada com orgulho por representar intimidação e força dentro dos presídios.

Taz

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Também associado ao PCC, o personagem Taz, da turma do Pernalonga anda envolto a um redemoinho, destruindo tudo pelo caminho. Por isso, o desenho normalmente é gravado na pele daqueles que já participaram de roubos coletivos ou arrastões.

Arame farpado

Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

Associado à “trairagem”, o arame farpado normalmente indica que o preso é dedo-duro, ou “x-9”.

Pontos

Um dos principais códigos entre detentos, os pontos podem ter diversos significados dependendo da quantidade e parte do corpo onde são tatuados. Normalmente tatuados nas costas das mãos, na região entre o dedo polegar e o indicador, os pontos indicam o tipo de crime praticado pelo portador. Um ponto indica que o criminoso é de menor potencial ofensivo, como batedor de carteiras, por exemplo. Dois pontos indicam prática do crime de estupro. Três, tráfico de drogas. Quatro, furto. Cindo pontos significam roubo. Nove pontos mostram que seu portador pode ser chefe de quadrilha ou homicida. Quando tatuados no rosto, os pontos acusam que o portador praticou estupro.

Índia

Comum nos presídios cariocas, a índia é tatuada naqueles ligados ao tráfico de drogas. No Rio de Janeiro das décadas de 80 e 90, a índia era feita nos chamados “soldados do morro” e representava o passaporte necessário para o porte de fuzis entre os traficantes.

Nossa Sra

Aparecida: pode indicar proteção quando tatuada em tamanho pequeno, na região do peito. Grande e nas costas, porém, a imagem indica que seu portador foi violentado sexualmente ou que foi condenado pelo crime de estupro ou atentado violento ao pudor.

Lágrima no rosto

É uma forma de homenagem ou de recordação a um parceiro ou amigo morto pela polícia.

 

Frase “amor só de mãe”

Quem porta a inscrição “amor só de mãe”, acompanhada ou não de um coração flechado, normalmente exerce a função de servidão sexual dentro da cadeia. Feita, quase sempre à força pelos demais detentos, a tatuagem indica vulnerabilidade a abusos sexuais dentro das unidades prisionais.

Teias de aranha

Predadora paciente e fatal, a aranha prende sua vítima antes de matá-la. Entre criminosos, a teia de aranha está associada aos homicidas implacáveis, ou seja, aqueles não hesitam em matar em nome da facção. O número de teias ou de aranhas numa tatuagem pode indicar posição privilegiada dentro do grupo, como chefe ou conselheiro e, dependendo da posição do animal (para cima ou para baixo), indica o comprometimento do sujeito com a organização.

Feita nas mãos ou antebraços, a teia de aranha pode representar a memória de um cúmplice ou comparsa já morto. Já na testa ou nuca, o desenho indica que o portador é gay ou foi estuprado dentro da prisão.

Águia

Simboliza a liberdade. Entre os membros de facções a águia normalmente é tatuada no peito, no braço ou nas costas, no período de cumprimento de pena – no qual o indivíduo anseia por deixar a prisão.

Sereia

A imagem folclórica atrelada à sedução, quando tatuada no braço, peito ou ombro dos detentos indica prisão por crime de abuso sexual. Quando presente na perna, a sereia indica condenação pelo crime de estupro.

 

Jesus

Muitos criminosos escolhem essa tatuagem para, comparando-se ao Cristo, afirmarem que foram subjugados pela condenação humana. Normalmente crucificado, com o semblante cândido e uma coroa de espinhos na cabeça, Jesus também pode simbolizar um pedido de proteção por parte do preso, principalmente quando tatuado na nuca ou nas costas – região na qual normalmente costumam apanhar. É quase como uma tentativa de fazer com que o agressor se penalize e desista de bater no portador ao olhar para a imagem tatuada.

 

Motivação

Medo? Estilo? Identificação? Afinal, o que está por trás do código de cadeia? E o que leva os indivíduos a escolherem marcar o corpo de maneira definitiva, mesmo dentro das penitenciárias? A explicação para o comportamento está, segundo a psicóloga clínica, educacional e especialista em logoterapia, Sheila Hesketh Rabuske, na necessidade humana de pertencimento, normalmente agravada pelas questões psicológicas relativas à prática criminosa.

“Os envolvidos no mundo do crime normalmente já apresentam desvios de personalidade e problemas psicopatológicos que se exacerbam em situações extremas. Por isso, o desejo normal de qualquer ser humano a pertencer a um grupo, uma família, acaba se tornando mais patente dentro dos presídios lugares hostis onde não se confia em ninguém. Para tanto, esses indivíduos lançam mão de recursos antigos, como a tatuagem, como forma de afirmar uma identidade, uma tribo, no desejo de serem reconhecidos como parte daquele contexto”, finaliza.

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Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

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