Curitiba

Insegurança e sequelas

O policial civil Daniel Luiz Godoy Dalacqua, 34 anos, ainda tem sequelas do tiro acidental que levou na mão direita, há um ano. A mão amortece se ficar muito tempo sem ser movimentada, a sensibilidade não voltou por completo e de vez em quando ele derruba um objeto ou outro, pois não consegue segurá-lo direito. Abrir e fechar a mão, que é uma coisa natural e rápida para qualquer um, é um processo mais lento e exige força física e mental de Daniel, que ficou com um dedo “torto”.

O investigador foi um dos policiais atingidos por disparos acidentais de um modelo específico de pistola da marca Taurus, a 24/7, de 2015 para cá. Apesar dele ter sido atingido por sua arma particular, é o mesmo modelo comprado pela Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp), para abastecer as polícias Civil e Militar, nos últimos anos. Porém começou a apresentar diversos problemas com disparos acidentais. Vários policiais brasileiros sofreram com isto. O caso de Daniel não foi tão grave. Mas em outros estados, houve mortes.

Vítima de disparo acidental, Daniel vai processar a Taurus. Foto: Gerson Klaina
Vítima de disparo acidental, Daniel vai processar a Taurus. Foto: Gerson Klaina

Daniel contou que estava numa reunião de família e, por isto, ele e a esposa, que é delegada, deixaram as armas travadas em cima da geladeira, para ficarem fora do alcance de todos. Quando Daniel foi pegar uma cerveja no freezer, a arma escorregou, caiu no chão e disparou sozinha. O tiro acertou a mão do policial, que estava com a mão na altura da cabeça, pois ele retirava a bebida do congelador. “Sorte que não ocorreu nada mais grave. Estávamos com crianças na casa. Eu poderia estar com alguma delas no colo”, diz.

O policial ressalta que a arma estava travada, pois logo após ter levado o tiro, olhou a pistola e verificou que ela estava fechada e com a cápsula presa lá dentro. O certo seria a arma ter ejetado a cápsula e já carregado um novo projétil. Mas, por conta da força dos gases, que se expandem com o disparo, ao invés de ejetar a cápsula, a pistola ejetou o carregador.

Daniel passou por cirurgia para retirada do projétil e reconstrução de partes da mão, já que rompeu tendões e músculos. O policial passou por meses de fisioterapia. Hoje, não vai mais até a clínica se exercitar. Mas precisa continuar exercícios em casa e no trabalho, pois se ficar muito tempo com a mão parada, já sente que ela começa a “travar”.

Inquérito parado

Um inquérito foi aberto pela Delegacia do Consumidor (Delcon), para apurar uma falha no produto que causou lesão corporal na vítima. A Delcon informou apenas que o inquérito foi para o Ministério Público para pedido de prazo, mas que continua tramitando. Várias testemunhas já foram ouvidas, inclusive a esposa do investigador, e a delegacia aguarda os laudos da perícia. Daniel pretende entrar com processo cível contra a Taurus, por danos materiais, morais e físicos, principalmente. “Eu não quero mais usar essa pistola. Não tenho confiança. Quero uma indenização”, diz.

Policial fez cirurgia e perdeu sensibilidade na mão. Foto: Gerson Klaina
Policial fez cirurgia e perdeu sensibilidade na mão. Foto: Gerson Klaina

Qual era o problema?

Assim como aconteceu com Daniel, vários policiais brasileiros tiveram dificuldades com este modelo específico de pistola, já que a maioria das polícias do país comprou a 24/7. São armas que, conforme o investigador, dão disparos acidentais, mesmo travadas. Ou então, na hora em que o gatilho é acionado (já destravadas), elas não disparam e o projétil fica “travado” dentro da arma, ou dão rajadas (saída de vários projéteis de uma vez só). Algumas dão tiros só de serem “chacoalhadas” com a mão. Vários grupos no Facebook foram abertos com o título “Vítimas da Taurus”.

Em Curitiba, um policial militar também teve problema com um disparo acidental, enquanto acompanhava seu pai em um exame de ressonância magnética. Ele ficou ferido na perna, mas não se sabe em que circunstâncias ocorreu o disparo. Questionada pela Tribuna, a PM não repassou detalhes deste caso.

Armas que apresentaram falhas foram substituídas. Foto: Felippe Aníbal/Gazeta do Povo
Armas que apresentaram falhas foram substituídas. Foto: Felippe Aníbal/Gazeta do Povo

Povo tá seguro?

As pistola 24/7 da Taurus continuam nas mãos da polícia, pelo menos da Militar, o que faz muita gente questionar se os policiais e a população estão seguros com estas armas em circulação. A PM não quis se pronunciar sobre o assunto. Mas conforme o coronel César Souza, diretor de comunicação da Associação de Defesa dos Direitos dos Policiais Militares Ativos, Inativos e Pensionistas (AMAI), as pistolas que têm apresentado defeitos tem sido substituídas por outras da Taurus ou da marca Glock – recentemente compradas pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) para grupos especiais da polícia.

“A Taurus não reconhece que seja um problema de projeto da 24/7. E recentemente foram compradas metralhadoras da Taurus, que foram para teste e acabaram devolvidas para a fabricante, por apresentarem problemas. Nem foram para as ruas. A Polícia Federal usa Glock. Por que não podemos também? São melhores e custam menos”, questiona.

Já a Polícia Civil informou que não está mais utilizando a 24/7 após a compra de novas armas. “Na época houve recall. As manutenções eram ainda mais cautelosas. Mas o policial não trabalha mais confiante. E quando vitimarem a vítima?”, questiona André Gutierrez, presidente do Sindicato das Classes Policiais Civis do Estado do Paraná (Sinclapol).

Substituição

A Sesp confirmou que as armas falhas foram substituídas pela fabricante, sem custo adicional aos cofres do Estado. Desde então, não foram mais compradas armas da Taurus. “A Sesp adquiriu no fim do ano passado pouco mais de 1.000 armas Glock, que foram disponibilizadas para as unidades de elite da Polícia Militar e Civil. A Sesp está em processo de compra de 3.000 novas armas Glock. Este processo de aquisição está indo para autorização do Exército em Brasília com o parecer favorável da unidade do Exército do Paraná”, revela.

Disparo acidental

Há duas semanas, um jovem foi ferido por um tiro acidental durante uma abordagem de rotina da Polícia Militar, na esquina das ruas Desembargador Westphalen e André de Barros, no Centro de Curitiba. Os policiais viram um grupo de rapazes na calçada e deram voz de abordagem. Os jovens obedeceram e, enquanto um deles levantava as mãos para cima e virava para a parede, um tiro feriu o braço dele. Testemunhas afirmam que os policiais ainda não tinha desembarcado da viatura e o tiro partiu de lá de dentro. A PM prometeu abrir inquérito para verificar as circunstâncias do acidente.

Monopólio em xeque

Cerca de 99% das polícias brasileiras usam Taurus. A legislação só permite às policiais a compra de armas nacionais, a não ser que não haja similar delas no Brasil. As armas compradas fora do país só podem ser direcionadas a grupos especiais da polícia, com autorização do Exército. No Brasil, só existe uma fabricante de armas, a Taurus. Muitos gestores da polícia questionam e reclamam da legislação, o que transforma a compra de armas um monopólio. Dizem que no exterior é possível adquirir armas muito melhores, mais confiáveis e pela metade do preço.

O que diz a Taurus?

“A Taurus reitera, mais uma vez, que todas as perícias realizadas até hoje dentro das normas aplicáveis comprovam que não há defeito ou falha no projeto ou nos mecanismos de segurança e funcionamento dos produtos Taurus. O Exército Brasileiro fez avaliação completa do processo produtivo da Companhia e de suas armas e não encontrou falhas de projeto ou fabricação que sejam responsáveis por acidentes com armas de fogo. As ações judiciais movidas contra a companhia e baseadas nessas acusações estão sendo julgadas em favor da Taurus. A nova gestão da companhia, para desfazer suspeitas infundadas, mantém um programa gratuito de revisão e manutenção preventivas de seus produtos, oferecido a todas as forças policiais do País, inclusive no estado do Paraná. O objetivo é ajudar as forças policiais a manter seu armamento em estado adequado de uso e conservação.”, diz a nota enviada pela fabricante de armas à Tribuna.

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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