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Já faz 40 anos que as primeiras mulheres ingressaram na Polícia Militar. Mas é a primeira vez, nos seus 164 anos de história, que a instituição terá uma mulher no comando. É a coronel Audilene Rosa de Paula Dias Rocha, 52 anos, que está na PM há 33 – entrou como cadete na Academia Policial Militar do Guatupê, em 1985.  Mas quem é a coronel Audilene? A Tribuna do Paraná teve uma conversa com ela, no fim da tarde de terça-feira (10), cerca de 15 horas antes dela assumir a cadeira mais importante da corporação.

A história da família de Audilene é humilde. A mãe batalhou sozinha pelo sustento de cinco filhos. A coronel nasceu em Terra Rica. Mas quando tinha de 4 para 5 anos, mudou-se para Assis Chateaubriand, onde sua mãe abriu uma olaria. Caçula, e única filha mulher, Audilene assumiu muito pequena as responsabilidades da casa, enquanto seus quatro irmãos ajudavam a mãe na fábrica de tijolos. Ainda pequena, subia em banquinhos para alcançar o fogão e a pia na cozinha. Todos elogiavam a comida. E entre uma coisa e outra, ela limpava a casa e cuidava da roupa.

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Sua mãe atrasou em dois anos o estudo de um dos filhos para que, quando chegasse a idade de Audilene ir à escola, não percorresse sozinha nos quatro quilômetros entre o sítio e a escola. Todos os irmãos foram incentivados a estudar e trabalhar. Nas férias, Audilene de vez em quando ajudava na olaria. “Eu fazia trabalhos que muito homem casado e com filhos dizia que era pesado”, diz ela.

A coronel se apaixonou pela profissão militar ainda era criança, vendo dois policiais patrulharem a pé em Assis Chateaubriand. Os viu atuando em algumas situações e sentiu vontade de um dia também sendo uma policial. O irmão, Alvacir, ingressou como soldado da PM em Curitiba. Quando ele fazia curso para cabo, viu que havia vagas abertas para mulheres e ligou para a irmã. Depois de uma reunião em família, decidiram que Audilene ia a Curitiba e ficaria aos cuidados do irmão. Ela entrou para a Academia do Guatupê e começou a carreira.

A carreira

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A coronel Audilene construiu boa parte da carreira em Maringá, onde já foi comandante e sub-comandante do batalhão local, e onde também já passou por todos os postos de chefia. Em Curitiba, também já comandou o Policiamento Comunitário, ajudou na criação dos Comandos Regionais do Interior, dos quais foi comandante de um deles. Também já assumiu cargos em situações delicadas, como por exemplo o Batalhão de Paranavaí, em 2009, na época fragilizado pela denúncia de escândalos sexuais envolvendo oficiais.

Na visão de Audilene, não foi o fato dela ser mulher que fez as coisas acalmarem por lá, mas por sua rigidez no comportamento e pelo reconhecimento da sua capacidade de trabalho, de fazer o batalhão caminhar de volta e passar a devida segurança para a população local. “Também não geraria nenhum temor nas mulheres (vítimas dos abusos) em relatar a outra mulher o que passaram, o que sentiram com tudo isso”, relata a coronel.

Em 2014, Audilene foi convidada para assessorar e chefiar a segurança de Cida Broguetti, então candidata a vice-governadora. Com a eleição de Cida, Audilene foi levada ao posto de chefe do Estado Maior, trabalhando junto com o coronel Arildo, sub-comandante da PM, o coronel Tortato, chefe da Casa Militar, e o coronel Zanata, chefe do Estado Maior. Os três permanecem trabalhando juntos, porém agora em posições diferentes. “Eu recebi um telefonema na hora que estava me arrumando para ir à posse da Cida. Era ela, me convidando para o comando-geral”, revela a coronel.

Situações inusitadas

De origem humilde, coronel Audilene Rocha assume o posto mais alto da PM do Paraná. Foto: Átila Alberti

A coronel Audilene foi a primeira mulher a desbravar muitas coisas dentro da PM, como atuar numa reintegração de posse, por exemplo. Era inusitado para muitas pessoas ver uma presença feminina na atividade policial ou no comando, o que também gerou situações engraçadas. Primeira vez que chefiou uma Operação Futebol, precisou atravessar o vestiário de um dos times para conseguir chegar ao vestiário da arbitragem, definir alguns detalhes da segurança. Para isto, pediu que seu motorista entrasse antes e avisasse que uma mulher entraria ali.

“Não sei se eles acharam que era uma brincadeira ou não acreditaram, mas entrei e eles foram se vestindo ligeiro, se cobrindo com toalhas. Falei com a arbitragem e quando voltei, já estavam todos vestidos. Com o tempo se acostumaram”, diz ela.

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Já como 2.ª tenente, estava a paisana numa sorveteria quando o “machão” do bairro, que mandava em todo mundo, bateu numa grávida de 8 meses. Enquanto Audilene conversava com a moça, o agressor, que sabia que Audilene era policial, foi para cima dela. A coronel reagiu, deu uma chave de braço, jogou o homem no chão e o imobilizou. “Eu era magrinha, 52 quilos, franzina. Ele 1,92 de altura, grandalhão, carregava sacas pesadas o dia inteiro. A sorveteria estava cheia e as pessoas foram ao delírio”, disse ela, que logo chamou uma viatura e o agressor foi preso.

Sem contar a época em que o uniforme da PM ainda era saia, meia calça e sapatinho social. Numa situação de invasão, ela e o parceiro tiveram que pular um muro pra correr atrás do ladrão. “Na volta, já havia muita gente do lado de fora. E eu ter que pular o muro de volta de saia, com todo mundo olhando. Eu sempre levei essas situações de forma tranquila. Mas para algumas pessoas, era inusitado”, diz ela, que nos postos de comando pelos quais passou, sempre levava mulheres consigo para assumir cargos diversos, buscando sempre integrar homens e mulheres.

Planos

Há quem diga que a expectativa pela chegada da coronel Audilene Dias Rocha ao cargo máximo da Polícia Militar traz boas expectativas. Pela proximidade com a governadora, comenta-se nos quartéis que talvez ela consiga aprovar diversos benefícios à tropa, como a compra de novos equipamentos e as progressões de carreira.

Foi isto que ela sinalizou em entrevista à Tribuna do Paraná. Audilene afirmou que, conforme o orçamento disponibilizado pelo Estado, pretende ampliar os cursos que permitem as progressões. “Não é só pela melhoria salarial deles. Mas os policiais também sentem orgulho em dizer para família que subiram de cargo. É uma motivação dizer a um filho eu progredi, eu melhorei, eu galguei um cargo’. É um estímulo ao trabalho”, diz a coronel.

Sobre os projetos para a gestão, Audilene manteve suspense. Os projetos pilotos que vinha trabalhando junto com os coronéis Tortato e Arildo – que permanecem com ela neste triângulo de comando (sub-comanto e Estado Maior) podem receber melhorias. Mas ela não quis revelar os projetos, sem antes apresentá-los à governadora e ver os recursos financeiros disponíveis.

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Ela também ressaltou que nem sempre é fácil planejar a segurança pública e se antecipar aos fatos. “A segurança pública é dinâmica, vão surgindo demandas no caminho. Quando resolve uma coisa, surge outra. Temos que estar sempre atentos, analisando estatísticas, dando condições aos policiais e buscando melhorar a prestação do serviço”, disse ela, inclusive falando sobre a Operação Futebol. Ela mostra que apesar de ainda acontecerem episódios de violência fora dos estádios, a atual fórmula de segurança implantada é a que tem melhor impedido as ocorrências.

Audilene também falou que pretende buscar mais autonomia da PM junto ao governo no que diz respeito ao orçamento destinado à corporação. “Hoje não sabemos qual é o nosso orçamento. Se conseguirmos saber isto, podemos planejar nossas ações com antecedência, nossas trocas de equipamentos, ampliar projetos e horizontes”, diz ela, que recebe reclamações da tropa em relação às viaturas e equipamentos de trabalho.

Machismo?

Audilene demonstra preocupação com a tropa e diz que machismo nunca a atingiu. Foto: Átila Alberti

Como primeira mulher a assumir o comando geral – entre tantos outros postos de chefia que já assumiu – a coronel Audilene diz que nunca passou por preconceito ou machismo dentro da corporação, que é de maioria masculina. “Machismo não é um problema da Polícia Militar. É da sociedade brasileira, mundial eu diria, porque muitos países são machistas”, diz ela, que afirma que nunca se preocupou com barreiras por ser mulher.

“Só me preocupo se eu tenho capacidade de fazer meu trabalho, porque o meu desafio sou eu mesma. Não me preocupo se vai haver ou não resistência (masculina). Até porque na corporação existe disciplina e hierarquia. E quando você assume uma posição de chefia, sempre há críticas, independente do sexo. Não me preocupo em ser mulher, preocupo em ter uma gestão eficiente à frente da PM. É um cargo de muita responsabilidade, você vai gerir a segurança da população. É um peso nos ombros de qualquer um, seja homem ou mulher”, conclui a policial, que tem uma filha de 15 anos, que inspirou-se na mãe e também deseja seguir carreira na PM.

Amiga de Cida

Muita gente não sabia, mas a coronel Audilene já tem um relacionamento de amizade com a governadora Cida Borguetti há 26 anos. Foi quando o marido de Cida, Ricardo Barros, foi eleito prefeito de Maringá. Cida casou-se com ele e foi para Maringá ser a primeira dama. Nesta época, Audilene já estava no sub-comando de Maringá. A prefeitura precisou de alguns atendimentos da PM e desta forma as duas se conheceram. Uma simpatizou com o jeito da outra, a forma de pensar sobre diversos assuntos era parecida e as duas acabaram amigas.