Curitiba

Liberdade religiosa?

O Brasil é democrático, mas ainda tem muita gente desrespeitando a religião alheia

O Disk 100, telefone da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, recebeu 759 telefonemas, no ano passado, denunciando casos de discriminação religiosa no Brasil. Destes, 14 vieram do Paraná. E o estado que mais teve denúncias foi São Paulo, com 105 telefonemas. Todas relatavam algum tipo de preconceito (quando as pessoas agem de forma não amigável) ou até mesmo de intolerância, quando o preconceito chega à violência verbal, física ou moral.

A Constituição Federal determina que o Brasil é um estado laico (neutro em relação à religiosidade) e dá às pessoas a liberdade de crença e culto. Portanto, cada um tem o direito de escolher qual religião deseja seguir (ou se quer ou não seguir alguma) e de ser respeitada pela opção que escolheu. Caso contrário, a agressor pode responder por crime de ódio (lei 7.716/89), pegar de um a três anos de cadeia e ainda pagar uma multa, cujo valor será determinado pelo juiz, conforme a gravidade da ofensa.

Números

As denúncias ao Disk 100 têm aumentado desde 2011 (início do serviço) e 2016 foi o ano recorde. Nos telefonemas, nem sempre é possível levantar qual é a religião das vítimas. Mas, entre as que foram triadas, no ano passado, verificou-se que é a Umbanda, seguida pelo Candomblé, as religiões mais discriminadas no Brasil.

Na grande maioria dos casos, conforme o Disk 100, o autor da atitude discriminatória é vizinho da vítima. Depois disso, porém em escala bem menor, vêm os irmãos, os pais, os professores, os familiares e os diretores de escolas. E a maioria dos casos ocorreu na casa da própria vítima.

Passeata

Para alertar as pessoas contra a intolerância religiosa, uma passeata será feita em Curitiba (e simultaneamente em cidades de outros 10 estados brasileiros), no próximo domingo (22), a partir das 14h na Praça Tiradentes. O evento está sendo organizado pelo Facebook (Passeata Contra Intolerância Religiosa PR/Curitiba) e convida pessoas de todas as religiões a participarem. Para discutir o tema, a Tribuna convidou representantes de quatro religiões diferentes, para contarem o que já sofreram, o que pensam e o que aconselham aos adeptos de suas religiões.

Pai André de Xangô – Umbanda

André Moraes é pai de santo há 28 anos. Há 11 possui seu próprio terreiro, o Tio Antônio, no bairro Portão, em Curitiba, depois de ter atuado por 17 anos no terreiro Pai Maneco, o maior de Curitiba. Logo que se mudou para o Portão, sofreu represália dos vizinhos, que montaram um abaixo-assinado dizendo-se incomodados com o terreiro. ‘Resolvi bater na porta de cada um. Dos mais de 20 que assinaram, sobraram três na lista. Percebi que era preconceito com a religião quando vi que tinha vizinho que morava a duas, três quadras daqui, e o barulho sequer chegava lá‘, relatou André, que quando era proprietário de uma confecção de uniformes, perdeu uma encomenda para uma igreja evangélica, depois que os fiéis descobriram que ele era umbandista.

Não para por aí. Alguns motoristas de Uber, chamados para buscar filhos do terreiro, foram embora quando os viram saindo de lá com as vestes brancas típicas da religião. ‘Não é uma passeata ou canetada que vai acabar com o preconceito. Mas é urgente que as pessoas aprendam a respeitar qualquer religião‘, diz André.

Foto: Felipe Rosa.
Foto: Felipe Rosa.

Pastor David – Evangélico

David Mateus Alves é pastor da igreja evangélica Assembleia de Deus, Ministério de Madureira. Ele relata que os pastores, em geral, sofrem preconceito. ‘Não podemos ter um carro novo ou construir uma casa que as pessoas já chamam o pastor de ladrão. Mas como qualquer trabalhador, temos um salário e construímos o patrimônio conforme ele. Um padre compra um carro novo ninguém fala nada. Se um pastor anda de carro novo tá roubando dinheiro da igreja. Entende o preconceito?‘, questiona. E os fiéis também relatam diversas situações de preconceito por terem optado pela igreja.

Mas a discriminação chegou à intolerância, há algumas semanas, em Brasília (DF). Um templo foi demolido pelo governo local, porque estaria construído numa área irregular. ‘Mas ao redor há várias outras construções irregulares. Por que derrubaram só a igreja? Não deram nenhuma notificação prévia. Chegaram e derrubaram. Não é intolerância?‘, questiona.

Foto: Felipe Rosa.
Foto: Felipe Rosa.

Bispo Amilton – Catolicismo

A igreja Católica também sofre ataques de ódio, principalmente contra suas imagens e seus sacramentos. Dom Amilton Manoel da Silva, bispo auxiliar de Curitiba, conta que são frequentes relatos e invasão às igrejas, conduzidas por grupos contrários à fé católica, que quebram as imagens e profanam os sacrários, ou seja, retiram hóstias e as destroem. ‘São grupos fundamentalistas (de várias religiões) que não conhecem nossos ritos, nossa fé, e levam o ódio ao extremo. Todos tem o direito de discordar e defender uma religião. Mas respeito exige escuta e diálogo. Esses grupos são muito fechados e não estão abertos ao diálogo‘, lamenta o bispo.

Ele mostra que, há algum tempo, a igreja católica está aberta ao ecumenismo, ou seja, a dialogar com outras religiões para conhecê-las e respeitá-las. ‘As religiões têm muito em comum, que é unir o humano ao divino, pregar o amor e o bem estar. O ódio é incompatível com qualquer religião‘, mostra ele.

Foto: Felipe Rosa.
Foto: Felipe Rosa.

Gamal Oumairi – Muçulmano

Desde o ataque às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, em 2002, a comunidade muçulmana em todo o mundo vem sofrendo ataques por parte de pessoas que sequer conhecem o islamismo e confundem uma minoria extremista aos demais muçulmanos. ‘O brasileiro não tem conhecimento, não tem leitura. Então acabam associando ações terroristas ao islamismo‘, lamenta Gamal Oumairi, diretor religioso da Sociedade Beneficente Muçulmana no Paraná. O desconhecimento já levou ao ódio contra os muçulmanos em Curitiba. As mulheres são as maiores vítimas, que por usarem o véu cobrindo o corpo, são facilmente identificadas. Algumas delas já levaram pedradas, cuspes, banho de cerveja e frequentemente ouvem coisas desagradáveis, como ‘terrorista‘, ‘mulher bomba‘, etc.

‘Nós, muçulmanos, carregamos a paz em nossos valores. A palavra Islam, entre outras coisas, significa paz. Não nos sentimos representados pelo Estado Islâmico (grupo terrorista que leva certos conceitos ao extremo e comete atentados, dizendo que é em nome da religião). Nós pregamos a tolerância, o diálogo. Existem várias formas de se buscar Deus. Assim como várias outras religiões, o islamismo é uma delas‘, mostra Gamal.

Foto: Felipe Rosa.
Foto: Felipe Rosa.

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

(41) 9683-9504