Em apuros desde 2014, o Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) “respira por aparelhos”. E devido a gravidade de seus “sintomas”, segundo a atual gestão, o hospital será leiloado, possivelmente, ainda este ano. Considerado centro de referência no tratamento de queimaduras e um dos maiores complexos hospitalares do Estado, o hospital vive um verdadeiro “pingue-pongue” administrativo desde o processo de intervenção judicial determinado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) há quase três anos. A decisão, assinada pelo Eduardo Milléo Baracat, do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região (TRT), transferia a administração do estabelecimento à interventores, tendo em vista a dívida de R$400 milhões, contraída durante a gestão da Sociedade Beneficente Evangélica (SEB) ­ antiga administradora do complexo.

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Sem geração de caixa positivo há dez anos, o hospital amarga uma lista de irregularidades como mais de 1.300 ações trabalhistas envolvendo, desde atrasos nos pagamentos dos salários dos colaboradores, até a supressão de férias e recolhimentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Além dos problemas trabalhistas, a bagunça fiscal foi um dos motivos que quase fez com que o complexo tivesse que fechar as portas no ano passado.

Passada a limpo, a situação fiscal demonstrava a abertura de uma série de contas com CNPJs diferentes, em nome da instituição, além da compra de diversos insumos – incluindo medicamentos, material médico e roupas de cama – que nunca chegaram ao hospital. Para completar, impostos atrasados e dívidas com bancos deixam a situação ainda pior.

Foto: Felipe Rosa

Futuro indefinido

Depois de passar pelas mãos de três interventores, nomeados pela Justiça do Trabalho, o futuro do Hospital Evangélico agora é incerto. Sem recursos suficientes para dar continuidade à prestação dos serviços, a atual gestão anunciou – no final de novembro do ano passado – que o hospital será leiloado. A previsão é de que a hasta aconteça ainda em 2018. “O ideal era que o hospital tivesse os próprios meios para se sustentar e manter, mas sem geração de caixa e com um déficit cada vez mais alto, estávamos gastando, mais que recebendo. A expectativa é que o próximo comprador dê continuidade ao serviços e promova o crescimento de outras áreas do hospital, que estão prejudicadas”, afirma o atual interventor do Hospital Evangélico, Ladislau Zavadil Neto.

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No mesmo balaio, a Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR), também será leiloada. Da mesma forma que o hospital, a instituição também passou por processo de intervenção, porém, segundo Ladislau, a situação fiscal da faculdade está em dia. “Apesar de também ter sido abalada, as contas da Fepar estão dia. Para o comprador do leilão, a instituição será uma grande vantagem, já que gera receita”, ressalta.

Fiel à sua natureza

Nos arredores do complexo médico a pergunta que não quer calar é se o futuro comprador irá manter a natureza do serviço e se os atendimentos ainda poderão ser feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), já que 95% dos pacientes que chegam à unidade são usuários do programa. Encaminhada ao Hospital Evangélico pelo médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que a atendeu, a secretária administrativa, Alexandra Belo, 26, ficou perplexa diante da notícia do leilão. “É uma surpresa, porque a unidade de queimados é referência. O atendimento é bom, rápido e, melhor de tudo, gratuito. Caso eu precisasse de atendimento particular não teria condições de pagar”, afirma.

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Assim como Alexandra, José Galvão, 41, também foi encaminhado ao Evangélico depois de passar por um posto de saúde. Morador de Tunas, ele sofreu queimaduras profundas nos braços e pés, no dia 9, após esbarrar acidentalmente numa frigideira com óleo quente sobre o fogão. Sem plano de saúde, ele foi imediatamente encaminhado ao centro hospitalar. “Fui bem atendido e continuo tendo que vir pra trocar os curativos e o serviço é muito bom. Seria uma pena se o Hospital Evangélico fechasse as portas”, diz.

Nesse sentido, o interventor Ladislau Zavadil Neto tranquiliza os pacientes: “Uma das determinações do leilão é que o novo comprador mantenha a natureza da atividade. Ou seja, quem comprar terá que continuar a prestar os atendimentos”, assegura. Em relação ao corpo clínico, o gestor afirma que a tendência é que os investidores acabem mantendo, ou aproveitando os funcionários já contratados da instituição. “Quem decide são os novos gestores, mas a probabilidade de manterem uma boa parte dos funcionários antigos da casa é muito grande”, ressalta.

Nos próximos meses o hospital passará por uma avaliação, na qual serão observados e contabilizados todos os bens da instituição. Feito o levantamento, o leiloeiro viabilizará a realização e a publicação do edital, que devem acontecer ainda no primeiro semestre desse ano.

Quem dá mais?

Para esclarecer algumas dúvidas sobre o funcionamento do leilão de um bem da magnitude do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, a Tribuna conversou com o advogado, mestre em direito de empresa pela PUCPR e vice presidente da Comissão de Direito Empresarial da Ordem dos Advogados do Brasil, Gustavo Teixeria Villatore. Confira:

Como funciona o leilão?

Como se trata de uma questão judicial, obviamente quem estabelece a realização do leilão é o juiz. A partir da determinação, o edital é lançado e os eventuais interessados fazem lances, com base na avaliação judicial do bem. Para o primeiro leilão o preço para compra do bem é estabelecido com base no valor da avaliação. Exemplo: se o bem leiloado foi avaliado em R$1 milhão, o preço para comprar este bem, no leilão, será R$1 milhão. Porém, se não surge nenhum interessado poderão ser aceitos valores inferiores, desde que não irrisórios. Feita a venda é emitida uma carta de arrematação e o novo dono assume.

Em relação ao valor pago pelo bem, a prioridade é que o dinheiro seja usado para pagar os débitos de execuções anteriores, no caso do Hospital Evangélico, dívidas fiscais e salários dos funcionários. Como as ações costumam versar sobre valores muito menores que o valor total do bem, parcelas do montante total são separadas e destinadas ao pagamento de cada uma das pendências, até que todas tenham sido liquidadas.

O que é feito em relação a antiga gestão?

Vale ressaltar que o leilão arremata um bem. Neste caso, a estrutura física do estabelecimento, que passa a pertencer a um novo proprietário. Com isso, os novos titulares é que decidem o que será feito. Em todo o caso, são novas contratações. Ou dos funcionários antigos, ou de novos funcionários. Quem compra hospital não compra funcionário, e toda a contratação será uma nova relação de emprego.

Quais as vantagens para o novo comprador?

O novo proprietário estará adquirindo uma massa patrimonial, com um negócio já estruturado. Comprar em empreendimento que já funciona é melhor que começar um novo, do zero. Neste caso, tem-se inclusive uma faculdade, com turmas já formadas e alunos matriculados ­ isso gera receita. Para montar um curso do zero, por exemplo, tem toda uma questão burocrática, é mais caro. Funciona como a lei da inércia: o que está parado tende a ficar parado. Melhor é dar continuidade a algo que já funciona.