Curitiba

Doenças saem da carceragem e tomam conta de delegacia na Grande Curitiba

Fachada da delegacia de São José dos Pinhais, na Grande Curitiba. Foto: Aniele Nascimento/Arquivo/Gazeta do Povo
Escrito por Lucas Sarzi

Condição da carceragem da delegacia de São José dos Pinhais é péssima e até carcereiros e advogados estão sendo contaminados por doenças

Há quase uma semana, a carceragem da Delegacia de São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba (RMC), vive num surto de sarna. Nesta quarta-feira (6), depois de cinco dias da denúncia feita pela Tribuna do Paraná, nada mudou e, pelo contrário, ao invés de ser esvaziada, a carceragem recebeu ainda mais presos: são 50 numa cela para oito. O problema começa a passar para quem precisa conviver com os detentos, como os policiais e advogados.

Segundo a advogada Ana Paula Borba, que é representante de dois detentos que estão em São José dos Pinhais, a situação é mais complicada do que se noticia. ‘Porque só tendo acesso a carceragem que você percebe o quão complicada está a situação. O problema é que nenhum outro advogado denuncia porque tem medo de represálias‘, desabafou ela.  Na delegacia, a advogada contou que não há um espaço destinado para que os defensores conversem diretamente com seus clientes, como, por exemplo, uma sala separada. ‘Por isso, as conversas com os detentos são feitas ali mesmo, na ’sala da bocuda’, o mesmo espaço em que são entregues as marmitas e outros produtos aos presos. Por isso, o acesso às doenças fica ainda mais direto para quem lida com eles‘.

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Todas as vezes em que Ana Paula precisa ir até a delegacia para conversar com algum de seus clientes, ela volta para a casa com algum tipo de alergia. ‘Já procurei médico e estou em tratamento com antialérgicos porque, a princípio, não fui contraída pela sarna. Mas a questão principal é exatamente essa: além de eles estarem numa situação que não contribui em nada para uma possível recuperação, o Estado ainda está expondo outras pessoas ao risco‘.

Sempre que a advogada precisa ir até a delegacia, volta para a casa com algum tipo de alergia. Foto: Colaboração.
Sempre que a advogada precisa ir até a delegacia, volta para a casa com algum tipo de alergia. Foto: Colaboração.

A última visita à delegacia feita pela advogada foi nesta terça-feira (5), quando precisou pegar uma assinatura de um dos presos num documento. ‘Como não tinha jeito de tirá-lo de lá da carceragem, o papel foi passado pelo vão da cela e voltou todo infectado, sujo. Além disso, o próprio carcereiro falou que tem medo de se infectar, fica com álcool em gel passando no corpo e no braço. Ele não chegou a pegar nada ainda, mas está exposto‘.

Desde quando foi denunciada a situação da carceragem, nada mudou. ‘Ontem, inclusive, tinha muita gente dentro da cela. Diferente do que foi dito, não foi tirado mais nenhum preso de lá. A única forma viável de resolver a situação é fazer cumprir a determinação judicial, mas o Estado não cumpre o que foi determinado, fica difícil‘, completou a advogada.

Foto: Colaboração
Foto: Colaboração

Ana Paula contou que já até abriu um pedido de transferência de seus dois clientes e esse pedido foi expedido pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR). Segundo ela, ninguém é transferido porque não há vagas no sistema prisional. Como tentativa para ajudar na situação, ela denunciou o problema à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Subseção de São José dos Pinhais que, segundo ela, nada fez a princípio e estão analisando. Ela também procurou a OAB Seccional do Paraná, onde foi atendida pela comissão de prerrogativas, juntamente com a comissão de direitos humanos. A denúncia está sendo analisada agora pela OAB/PR.

Sempre que se noticia uma situação de superlotação, algumas pessoas comentam nas matérias ou postagem em redes sociais que os presos ‘merecem‘ tudo de ruim que lhes acomete, como permanecer num local insalubre para ‘pagar pelo que fizeram‘. Segundo a advogada, no entanto, os presos devem sim pagar pelo que fizeram, mas ao estarem presos já estão fazendo isso. ‘Acima de tudo, independente se cometeram crime ou não, são pessoas que são protegidas pela Constituição. Estes presos têm família, que sofre. As pessoas falam ’ah, é bandido’, mas a família sofre junto, não é só uma dor envolvida‘.

Nova vistoria, velhos problemas

Alguns dias após a denúncia, uma nova vistoria foi realizada pela Vigilância Sanitária, que atestou o que já foi dito em outras reportagens e que vem sendo falado pelos presos ao longo dos anos. A Tribuna teve acesso ao relatório, protocolado na última segunda-feira (4), que concluiu que a carceragem ‘encontra-se totalmente insalubre, não oferece as mínimas condições de habitabilidade aos detentos ou dos que lá se encontram e paralelamente aos funcionários por oferecer risco à saúde humana‘.

Além disso, a Vigilância Sanitária elencou os principais pontos de preocupação e o que deve ser revisto. Entre eles: a ventilação deficiente, umidade excessiva, infiltração nos tetos e paredes, falta de higienização, roupas e colchões expostos em chão úmido, fiação exposta, excesso de detentos e outros fatores que contribuem para a insalubridade. Como medida urgente, Vigilância Sanitária pediu ao órgão competente as providências no prazo de 30 dias. O relatório também traz um trecho do artigo 196 da Constituição Federal, que diz que ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença‘.

O mesmo documento traz, ainda, o relatório também de um médico que visitou a delegacia. Ele afirma que a maioria dos presos apresenta lesões na pele, compatíveis com escabiose (sarna) e pediculose (piolhos). Essas doenças infectocontagiosas oferecem risco também aos trabalhadores, por isso, o médico orientou a desinfecção da cela imediatamente.

Interditada faz tempo

Foto: Colaboração
Foto: Colaboração

Como já informou a Tribuna do Paraná, a carceragem já está interditada desde 2015. Na época, o juiz Juan Daniel Pereira Sobreiro interditou as celas da delegacia da RMC também por conta de surto de sarna. Um servidor entrevistado pela reportagem, que preferiu não se identificar, informou que a ação de 2015 continua valendo até hoje e que há uma multa estabelecida, com valor quase milionário. ‘Já passa de R$ 800 mil. Pode até ser que tenha solução agora em fevereiro, já que tem uma audiência marcada para o dia 20. Talvez o Estado tenha alguma proposta para a delegacia, mas enquanto isso permanece tudo igual e, o pior, a situação só fica ainda mais complicada‘, finalizou.

O que diz a Sesp?

Na semana passada, quando a denúncia da situação da carceragem tomou conta da mídia, a Sesp retirou 12 presos da delegacia. Procurada para comentar sobre a nova vistoria e a permanência dos presos no local, contrariando até mesmo a decisão judicial, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) ainda não se manifestou sobre o assunto.

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Sobre o autor

Lucas Sarzi

Jornalista formado pelo UniBrasil e que, além de contar boas histórias, não tem preconceito: se atreve a escrever sobre praticamente todos os assuntos.

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