Curitiba

Chamas vivas

Escrito por Luisa Nucada

O fogo olímpico passa hoje por Curitiba, e dentre muitos atletas famosos e personalidades que terão o privilégio de carregá-lo, estão três personagens comuns, anônimos, mas que se destacam por seus projetos e histórias de vida, já descobertas e registradas pelos Caçadores de Notícias. A diarista e corredora Irena Gonçalves do Nascimento, o construtor de bicicletas Luiz Altayr Gusso e a bancária e ex-judoca Bianca Baldini estarão entre os 170 condutores que participarão do revezamento de 37 quilômetros por 12 bairros da capital.

Disposição de sobra

Foto: Felipe Rosa.
Irena acumula cerca de 400 medalhas e 100 troféus pela participação em provas. Foto: Felipe Rosa.

Irena, de 72 anos, está tão ansiosa que até ficou rouca. Nem passava pela sua cabeça que, com sua idade, iria fazer parte de um evento internacional de tamanha magnitude. “Foi tudo uma surpresa. Quando minha filha disse que ia me inscrever, eu não tinha nenhuma esperança de ser escolhida. Imagina, com tanta gente importante…”, comenta. A diarista pode não ser uma celebridade, mas sua trajetória e a rotina que leva não têm nada de ordinárias.

Às segundas, quartas e sextas, ela sai da cama antes das 5h, toma café da manhã e corre pelo menos 10 quilômetros. Em seguida, vai para o trabalho, onde limpa, arruma e cozinha. Às terças e quintas, faz musculação; aos sábados, treina técnicas de corrida com personal trainers; e no domingo, disputa provas. Para ela, os 200 metros do trajeto com a tocha serão fichinha. “Vou correr bem devagarinho pra durar bastante. Tinha que ser pelo menos uns cinco quilômetros! Vou torcer pro meu colega faltar, porque se o próximo a carregar a tocha não estiver lá quando eu chegar, eu faço os 200 metros dele”, brinca.

O alto astral foi um ingrediente indispensável para que ela conseguisse passar por fases bem amargas da vida. Irena se viu viúva e com sete filhos para criar aos 42 anos. “Eu trabalhava como diarista durante o dia, em um restaurante à noite, chegava em casa e tinha que fazer comida, arrumar a roupa dos meninos, ajudar no dever da escola. Eu dormia duas horas por noite, mas acordava parecendo que tinha dormido 24”, conta. Apesar da dureza do dia a dia, Irena não se deixava prostrar. “As pessoas me perguntavam ‘como a senhora trabalha feito um cavalo e ainda fica cantando?’.”

O segredo, diz ela, é ter Deus em mente. “Ele é quem dá saúde e afasta o desânimo”. Já com os filhos criados, aos 55 anos, Irena começou a fazer caminhadas. Aos 58, evoluiu para a corrida e, desde então, acumula cerca de 400 medalhas e 100 troféus pela participação em provas. “Espero que seja um incentivo pras pessoas praticarem esporte, porque você pode começar com qualquer idade. Um conselho que dou é começar e aguentar os três primeiros meses. Depois disso, você não para mais, sua cabeça se prepara e vai ficar te chamando”, ensina. Ela conduzirá a tocha às 16h30 na Rua José Valle, em Santa Felicidade.

Pardal esportista

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

A habilidade para inventar rendeu ao mecânico aposentado Luiz Altayr Gusso, 72, uma vaga no revezamento olímpico. Depois que parou de trabalhar, em 2000, ele passou a se dedicar ao hobby de montar bicicletas artesanais do zero, com matérias-primas reaproveitadas, na garagem de casa. Logo suas criações chamaram a atenção, e ele começou a receber encomendas de triciclos e bikes personalizadas. Há um ano, seu filho, o designer de produto Lucas Giovani Gusso, decidiu profissionalizar o negócio e criou a Azzu Cycles, empresa de equipamentos a propulsão humana.

Além de food bikes e outras magrelas diferenciadas, Luiz desenvolve bicicletas para crianças e adultos com deficiência. “Acredito que foi por esse trabalho que me selecionaram para conduzir a tocha”, diz. “Eu achei legal que é um negócio bem diferente pra gente. É um evento grande que vai demorar muito tempo pra passar pelo Brasil de novo, vai ser uma honra.” Ele espera que com sua participação no revezamento o trabalho da empresa seja divulgado, e mais pessoas com dificuldades de locomoção tenham acesso a bicicletas customizadas, difíceis de achar no mercado.

O inventor, que recebeu o apelido de Professor Pardal pela sua criatividade, sempre teve relação próxima com as práticas esportivas. Além da bike, joga futebol de salão duas vezes por semana com os filhos e amigos. “Estou na ativa, por enquanto ainda estou firme”, brinca. Quanto à nobre tarefa de carregar o fogo olímpico, ele sente um friozinho na barriga. “Conforme vai chegando perto a gente vai ficando mais ansioso. É uma emoção diferente. Tenho uma ideia de como vai ser, mas na hora é que vamos ver.” O seu trecho do revezamento será na Rua Fredolin Wolf, em Santa Felicidade, às 17h.
Conheça mais sobre as bicicletas customizadas de Luiz Altayr Gusso, acesse o site Azzu Cycles

Se apagar, a gente acende

Foto: Giuliano Gomes
Bianca dedica seus sábados a 41 crianças em situação de vulnerabilidade. Foto: Giuliano Gomes

Um amigo da analista de sistemas Bianca Baldini, 35, resolveu indicá-la a uma vaga de condutor da tocha por causa do projeto Jovens Sementes, que ela desenvolve na Organização Não Governamental Um Lugar ao Sol, no Jardim Bela Vista, no Tatuquara. Há quatro anos, ela dedica seus sábados a 41 crianças em situação de vulnerabilidade. As atividades vão desde o ensino de línguas, música e educação física à distribuição de brinquedos e transmissão de valores.

Segundo Bianca, seu posto no revezamento já está lhe dando a oportunidade de publicitar o trabalho da ONG. “Gente do meu convívio que não conhecia o projeto tem me perguntando por que vou conduzir a tocha, e aí eu explico.” Atrair colaborações é seu principal objetivo. “Dependemos muito das doações, se as pessoas puderem conhecer mais, ver que tem credibilidade, talvez ajudem mais”, torce.

A analista de sistemas praticou judô dos 4 aos 14 anos, e apesar de estar “parada” há muito tempo, guarda dentro de si a atleta que foi um dia. “As pessoas dizem que uma judoca nunca deixa de ser judoca, só deixa de treinar.” Ela tem ouvido boatos e alertas sobre as tentativas de apagar o fogo olímpico, mas não dá bola pra isso. “Pra ajudar não aparece um, nem pra doar uma meia velha. Mas pra atrapalhar, sempre tem. Espero que levem uma doação ao invés de tentar apagar. Eu vou lá com a cara e com a coragem, e se apagarem, acendo de novo”, avisa ela, que correrá após as 17h, nas proximidades do Parque Tingui.

Colabore com o projeto Jovens Sementes, da ONG Um Lugar ao Sol, acesse o e-mail Um Lugar ao Sol e siga a página no Facebook

Sobre o autor

Luisa Nucada

(41) 9683-9504