A morte do “patrão” do tráfico da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) gerou pânico entre a população e trouxe à tona um problema que costuma ser abafado: quem vive na Vila Nossa Senhora da Luz tem a vida à mercê do tráfico de drogas. Segundo moradores e comerciantes da região, todos, inclusive a polícia, sabem o que acontece por lá, mas o jeito que encontraram para seguir em frente é fechar os olhos.

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Depois da morte de Diandro Claudio Melanski, de 38 anos, na tarde da última segunda-feira (4), um suposto toque de recolher foi dado na vila, que era comandada pelo homem. Escolas dispensaram alunos, moradores foram orientados a não sair de casa e ônibus do transporte coletivo não circularam na região. A Tribuna descobriu que o toque não foi dado somente pelas redes sociais, mas que homens passaram gritando e alertando moradores na rua.

Essa foi a primeira vez que algo do tipo aconteceu na vila, segundo moradores, mas todos já convivem há muito tempo com o tráfico. “Muito mais tempo do que você imagina. Começou com a Evinha do Pó. Quando ela foi morta, o comando do tráfico passou para Éder Conde, que ao ser preso, perdeu o comando”, contou Joana*, uma idosa de 71 anos, que mora há 30 na vila. Com a prisão de Éder, em 2010, o até então braço-direito dele, Diandro, assumiu a posição do ex-patrão. A decisão não agradou Éder e isso teria gerado uma rixa entre os dois. “Ele saiu da prisão, mas foi literalmente banido da vila. Não entrava mais lá”, contou Júlia*, 21.

“Nasci sabendo do que acontecia e na verdade todos sabem. Tínhamos medo, pois era perigoso, não só por tráfico. Algumas operações policiais até diminuíram a atuação dos bandidos, mas quando Diandro assumiu, ele ‘pacificou’ a região, impedindo que assaltos acontecessem, por exemplo, para não chamar a atenção da polícia”, contou a jovem.

Papéis trocados

Vila Nossa Senhora da Luz Foto: Arquivo Tribuna
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De acordo com Júlia, que não mora mais na vila há mais de um ano, os moradores sabem que o tráfico de drogas comanda o local. “E tudo que os traficantes querem é a polícia longe. Por isso, fazem a segurança da vila”. A jovem contou que Diandro era conhecido na região e bem quisto pela maior parte dos moradores. “Todos sabem o que acontece por ali, mas as pessoas acabam fechando os olhos, por medo, por não querer se envolver, vários fatores”.

A jovem denunciou também que a vila tem prostituição, inclusive de crianças. De acordo com Júlia, os traficantes consideram algumas das ruelas entre as praças como suas propriedades. Ninguém entra ou sai sem autorização. “Por isso é bem comum você encontrar placas de ‘vende-se’ nas casas. Quem mora ali se acostuma, toma cuidados e até acaba convivendo com os traficantes, mas não tem perspectiva”.

Olhos fechados

Moradores e comerciantes se convenceram de que não podem fazer muito, pois a lei, ali, é outra. Foto: Arquivo Tribuna
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O povo que mora na vila costuma trabalhar em áreas como o Centro, mas principalmente nas indústrias da CIC. “É uma gente trabalhadora, mas a cultura existente na vila é triste, a expectativa de crescer é pequena. Lá se nasce, vive e morre, sem ir muito longe”, desabafou Thiago*, 20.

A mesma falta de perspectiva do futuro, muitas vezes movida pela falta de condição financeira de deixar a vila, faz com que muitas pessoas se obriguem a conviver com o problema. “As pessoas se convencem do que têm, trabalham muito, são pessoas normais, mas que se veem obrigadas a fechar os olhos. Não é todo mundo que consegue sair de lá e tem gente que nem quer ter que sair, na verdade”, considera Júlia, que, junto com a mãe, deixou o bairro recentemente.

De acordo com quem vive na região, moradores e comerciantes se convenceram de que não podem fazer muito, pois a lei, ali, é outra. “Para sair um traficante de lá, ele sai preso ou morto. Não tem outra opção, então, o jeito é conviver em paz”.

Segurança e contas pagas

Na vila, o tráfico funciona como uma verdadeira empresa. Foto: Arquivo Tribuna

Além da ‘segurança’ feita pelos traficantes, muita gente comenta que os bandidos fornecem, para algumas pessoas, outros tipos de ajuda. “Ouvíamos dizer que o Diandro, por exemplo, ajudava os moradores sim. Pra gente, nunca fez nada, era uma pessoa normal, mas sempre soubemos qual era o ‘trabalho’ dele. Assim como com os outros traficantes, embora a gente não concorde com isso, esse é o trabalho desse povo mesmo”, contou Joana.

Na vila, o tráfico funciona como uma verdadeira empresa. Aos moradores, a ajuda dada pelos traficantes, principalmente vinda do “patrão” – como dizem os pequenos traficantes que atuam como funcionários do esquema -, variava de custos para combustível, pagamento de contas de luz e água e até comida.

Guerra declarada

Com a morte de Diandro, os moradores temem o que pode acontecer nos próximos dias ou meses. “Isso aqui vai virar um campo de guerra, até alguém retomar o poder”, acredita Thiago. Para quem vive na vila, o que vem pela frente é tão incerto, que outras mortes não estão descartadas. “O pior é que a polícia sabe de tudo isso e até muito além, mas não faz nada. Por aqui, o comando do tráfico de drogas só vai trocar um nome por outro, não vai acabar”, disse Júlia.

 

* Nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados

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