CIC

Dores de parto

Escrito por Olavo Pesch

Se para a maioria dos trabalhadores da Grande Curitiba a greve do transporte coletivo trouxe transtornos passageiros e pontuais, como demora para deslocamentos e atrasos ou até perda de compromissos, para alguns a paralisação acarretou riscos à saúde. É o caso da empregada doméstica Leonice Pereira Domingues, 48 anos, mais conhecida como “Nice”.
Há dois anos, ela começou a sentir fortes cólicas e a ter sangramentos frequentes. Ao fazer um exame no dia 11 de setembro de 2012, descobriu que estava com miomas e pólipos endometriais no útero. “Pelo SUS, levou um ano para conseguir consulta com especialista. Ele disse que é grave, não tem solução com medicamento e a solução é tirar o útero. Nem filho tive, tentei engravidar, mas não consegui”, relata.

Desde então, sua vida se transformou em uma angústia que parece não ter fim. “Faz um ano que passei pelo especialista e estou na fila de espera da central de marcações de cirurgia. É desumano isso!”, protesta. Cansada de esperar – desde fevereiro do ano passado – pelo agendamento do procedimento, em setembro de 2013 ela ligou para o 136 da prefeitura e passaram o telefone da assistente social da Unidade de Saúde (US) Pró-Morar Barigui, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). “Ela falou para eu vir no posto que tentaria um encaixe, porque tenho que fazer exames e conversar com anestesista antes da cirurgia. Até agora nada, acho que esqueceu de mim”, revolta-se.

“Minha preocupação é que evolua para um tumor, que pode ser benigno ou maligno”, teme a patroa dela, Luciana dos Santos Lima. “Depois ela foi parar no Erasto (Gaertner) por causa de um caroço no seio. O médico acha que são problemas interligados, por isso ia fazer a retirada do útero”, explica. Há 15 anos Nice é paciente de carteirinha do hospital referência em tratamento oncológico, por conta de outros problemas. “Tinha três nódulos na vesícula, que já foram tirados, e um no pulmão, que até agora não mexeram porque não aparenta ser maligno. Como apareceu também na mama, o posto me encaminhou para lá”, relata.

“Como trato da mama no Erasto, o médico disse que ia tentar fazer um encaixe para marcar a cirurgia. Ia retornar no dia 26 de fevereiro, mas como não teve ônibus nem consegui táxi, não tive como ir e perdi consulta. Liguei lá e só tem vaga para setembro, mas falaram que se fosse pessoalmente na segunda-feira (hoje) iriam tentar um encaixe, mas não é certeza”, reclama. A Secretaria Municipal de Saúde determinou que os hospitais prestadores de serviços do SUS remarquem em até 30 dias as consultas de quem não pôde comparecer devido à paralisação dos motoristas e cobradores, na última semana. Após ser procurado pela Tribuna, o hospital informou que “pulou” a etapa do comparecimento pessoal e reagendou a consulta para dia 12.

Medo do pior

Segundo Nice, a espera de dois anos por uma solução a irrita. “Dói direto, sinto cólicas como ganhar um filho. Quando vou evacuar parece que a bexiga vai sair para fora. Parece que tem uma coisa crescendo dentro. Tenho medo disso porque uma vizinha minha que começou a se tratar no mesmo período que eu conseguiu cirurgia na Santa Casa agora, mas não deu para fazer porque a doença do útero se alastrou para outras partes do corpo e é câncer maligno”, conta.

Diante da demora no agendamento e da impossibilidade da doméstica bancar a operação, a patroa dela até chegou a verificar o custo da cirurgia particular: R$ 9 mil – R$ 8 mil do procedimento mais R$ 1 mil em exames pré e pós-operatórios. “Cheguei a pensar em fazer uma vaquinha. Ela está com a gente há dois anos e quando chegou em casa já estava com o problema. Vejo a evolução da coisa, ela piorando e nenhuma solução do governo. Isso me deixa angustiada. Achei o fim da picada quando perdeu a consulta”, comenta Luciana.

Quem quiser ajudar Nice de alguma forma pode entrar em contato diretamente com ela: (41) 9828-9608/ 3245-8385.

Promessa de solução

Depois que tomou conhecimento do caso pela reportagem, a Secretaria Municipal de Saúde prometeu conseguir uma consulta para Nice no Hospital de Clínicas depois do Carnaval, mas não precisou a data. Segundo a pasta, “como o exame de imagem e a histórica clínica não indicavam suspeita de doença neoplásica, não foi encaminhada via Cancerologia, mas sim para Ginecologia-Cirúrgica”, em fevereiro de 2013. De acordo com nota da secretaria, “ao ser encaminhada, optaram por escolher um único médico de um único prestador dentre os disponíveis, o que restringe muito as agendas para as quais pode obter vaga. Em julho foi solicitado priorização, mas seguiu vinculada a um único profissional, aguardando vaga deste. Não temos como saber se foi opção da usuária ou do médico que a encaminhou”. Nice nega ter pedido a cirurgia em um hospital específico. “O importante é retirar logo, no lugar onde tiver vaga. Colocaram cinco opções”, argumenta.

Não dá pra esperar

A ginecologista e obstetra Katya Silva explica que mioma é um tumor benigno que não causa câncer, mas muito incômodo. Os sintomas mais comuns são aumento das cólicas menstruais e sangramentos intensos. A retirada é simples, por videolaparoscopia. Já o pólipo é uma projeção da mucosa uterina, geralmente por causas hormonais. Dependendo da idade da paciente, deve ser retirado. “Apesar de se considerar benigno, há autores que falam que tem que se ter muito critério e retirado pois alguns têm dúvidas quanto a virar câncer ou não”, esclarece. A retirada do pólipo também é simples, pela vídeo. “Não sei porque demoram tanto para retirar, tanto pelo SUS como por convênio. As pacientes ficam anos sofrendo”, comenta. Katya explica que nenhum dos dois problemas causa câncer, mas a imagem da ultrassonografia nem sempre revela o que realmente está acontecendo. “Tive um caso que a paciente tinha uma imagem na ultrassonografia sugestiva de pólipo e, quando fez a cirurgia, não era pólipo, era um tumor”.

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Olavo Pesch

(41) 9683-9504