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Não é amor, é cilada!

Escrito por Maria Luiza Piccoli

“Golpe do Amor” já fez muitas vítimas. Alvos prediletos são mulheres de meia idade, sozinhas e bem sucedidas

Em tempos de redes sociais, paquera virtual é o que não falta. Um território aparentemente inofensivo, mas que tem servido para a ação de golpistas profissionais que ganham muito dinheiro enganando mulheres. No Paraná, o “Golpe do Amor” já fez muitas vítimas e é preciso estar atento. Os aproveitadores protegidos pelo anonimato da Internet – não vão parar de agir tão cedo.

Uma foto, um belo sorriso, um cenário convidativo. Alguns cliques depois, uma conversa privada que pode durar dias ou meses e, aos poucos, evoluir para um tipo de ação criminosa na qual, num piscar de olhos, o príncipe encantado vira vilão e as vítimas, apaixonadas, são deixadas para trás com as contas zeradas e, em muitos casos, até com dívidas em bancos. Pra quem é enganada apenas um sentimento permanece: a vergonha.

De acordo com dados do Núcleo de Combate aos Ciber Crimes da Polícia Civil do Paraná (NUCIBER), desde 2015, 43 mulheres já caíram no “Golpe do Amor” em todo o Estado. Destas, duas conversaram com a Tribuna, porém a condição de que as identidades fossem preservadas. A primeira delas é a funcionária pública, Roberta*, 46, que há cerca de um ano descobriu que o belo fuzileiro naval americano com o qual trocava mensagens pelo Facebook, era, na verdade, um golpista.

Tudo começou no site de encontros Par Perfeito. Roberta aceitou a paquera virtual. “Nas fotos, ele parecia ser muito bonito e um ‘bom partido’. Sempre posando numa bela casa com um filho lindo, adolescente, do lado. Ele dizia que era fuzileiro naval, mas morava no Irã, em missão militar. Ele dizia que depois de sofrer muito com a morte da esposa, estava pronto para se casar novamente com uma mulher confiável, de idade compatível à sua”, lembra.

Não demorou para que as conversas entre Roberta e o suposto marinheiro migrassem para o Facebook e e-mail. Isso até os primeiros sinais da fraude começarem a aparecer. “Ele nunca topava falar por vídeo ou telefone, mesmo quando eu insistia muito. Ele dizia que era por motivo de segurança”, lembra.

Decepção

O golpe foi descoberto em um dia em que, desesperado, o homem a procurou em busca de ajuda. “Disse que o filho dele estava desamparado e doente nos Estados Unidos, e que não conseguia transferir dinheiro, do Irã. Ele solicitou que eu depositasse cerca de U$ 400 equivalente a aproximadamente R$ 1,3 mil – via Western Union, mas eu disse que não tinha aquele valor e não poderia ajudar”, conta. Roberta desconfiou que estava sendo enganada.

Ele começou a apelar, pedindo qualquer quantia, mesmo eu recusando. Bloqueei o contato dele e excluí de todas as minhas redes”, contou. Após conversas com amigos, ela descobriu que a decisão a salvou de algo muito pior. “Me disseram que muita gente estava caindo nesse golpe. Todas as histórias que escutei era idênticas à minha. Felizmente percebi a tempo”, afirma.

“Não consigo me perdoar”

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

O mesmo não aconteceu com Ivete, 49, que em março do ano passado perdeu R$100 mil após cair no “Golpe do Amor”. A história praticamente se repete. “Entrei em um site de relacionamentos e um homem muito bonito, que se dizia estrangeiro, começou a conversar comigo. Ele era viúvo, tinha duas filhas e trabalhava como engenheiro de petróleo, na Rússia. Dizia que exercia uma profissão de risco, por isso nunca podia conversar comigo por vídeo ou celular”, revela. Aos poucos, o golpista convenceu Ivete de que estava apaixonado e tinha intenção de se casar.

“Ele mandou a foto de um anel de noivado e disse que precisava mandar várias coisas para o Brasil, porque queria se mudar pra cá. Para que os pertences pudessem chegar até aqui, no entanto, eu teria de pagar certas taxas a uma seguradora responsável pelo transporte. Ele chegou a me mandar fotos de passagens aéreas pra cá”, lembrou.

Segundo a vítima, o homem insistiu tanto que ela acabou cedendo. A partir daí, Ivete começou a fazer depósitos em contas correntes. Para tanto, ela primeiro acabou com o dinheiro que tinha na poupança (R$ 25 mil), e depois, fez empréstimos em bancos.

Se não fosse a intervenção da família, segundo Ivete, a situação teria ficado ainda pior. “Meus filhos descobriram quando pedi R$ 4 mil emprestados a um sobrinho, já que meu dinheiro tinha acabado. Depois que caí em mim, senti muita vergonha. Não consigo me perdoar”, lamenta.

Culpa e vergonha

Para o delegado titular do Núcleo de Combate aos Ciber Crimes (NUCIBER), Demetrius Gonzaga, além do dano material, o constrangimento é uma dos maiores prejuízos que o “Golpe do Amor” deixa nas vítimas. Por isso, acredita-se que o número de casos seja bem maior do que dizem os dados oficiais. “Temos registrado, em média, 3 a 4 casos por ano no Paraná, mas acreditamos que esse número seja muito maior na prática, pois sabemos que as vítimas ficam muito envergonhadas depois de terem sido enganadas e não procuram a polícia”, afirma.

Segundo Demetrius, os golpistas, também chamados “Scammers”, são homens especialistas em criar romances falsos para conseguir dinheiro. Os criminosos normalmente não residem no Brasil e agem em quadrilhas, utilizando abordagens similares para ludibriar as vítimas.

“São bandidos de países como Costa do Marfim, Nigéria e Iraque que escolhem mulheres mais velhas entre 45 e 55 anos aparentemente bem sucedidas e sozinhas. Por meio de perfis falsos, com fotos de homens atraentes e maduros, conseguem chamar a atenção dizendo que têm cargos ligados ao exército e contando histórias tristes de viuvez”, explica.

Experts no jogo da sedução, os Scammers sabem a hora exata de dar o bote. “Eles esperam chegar o ponto em que a vítima já não precisa ser convencida da verdade. Normalmente isso dura meses, até que façam as primeiras solicitações, pedindo empréstimos, ou o pagamento de bens que tenham ficado retidos em alguma aduana. Essas transações nunca são realizadas por meio de instituições bancárias. Eles pedem que os depósitos sejam feitos via operadoras de Câmbio”, explica Demetrius. De acordo com o delegado, isso dificulta o rastreamento do dinheiro e reduz as chances de identificação dos golpistas.

Ainda de acordo com Demetrius é muito difícil estabelecer o perfil dos criminosos, porém, alguns sinais podem indicar que os supostos “Don Juans” são, na verdade, estelionatários em ação. “É importante estar alerta e desconfiar de tudo que seja muito pomposo ou enfeitado. As famosas situações ‘boas demais pra serem verdade’”, afirma.

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

Como se proteger?

Informe a família: Para evitar cair em golpes, o delegado recomenda às mulheres que contem a amigos ou familiares sobre esse tipo de interação virtual. “Não é preciso abrir detalhes, porém é importante que pessoas próximas saibam sobre a paquera. Em muitos casos são os próprios filhos que alertam as mães sobre os sinais de golpe”, afirma.

Aos filhos, Demetrius recomenda que estejam atentos à rotina online das mães. “Vale observar como anda a frequência de conversas em chats e aplicativos de namoro. Os bandidos preferem levar o bate-papo com pessoas que se isolam ou costumam chamar pra conversar de madrugada. Muitas vezes conseguem convencer as vítimas a esconder da família. Por isso, é preciso estar atento”, recomenda o delegado.

Desconfie: “Pessoas muito bem sucedidas, com carreiras estáveis, lindas e loucas pra casar podem ser uma cilada. Não confie em histórias incríveis ou muito trágicas, pois os criminosos se aproveitam da fragilidade feminina e do ‘desejo de ajudar’”, alerta.

Não deposite ou transfira valores: “É importante ter frieza e dizer não. Ainda mais quando a solicitação é feita em forma de uma história triste e muito bem amarrada. Cuidado com pedidos de depósito via câmbio. Tanto pessoas físicas quanto jurídicas confiáveis só realizam operações dessa natureza via banco”, diz.

Caí num golpe! O que fazer?

“Encerre os depósitos e o contato imediatamente. Em seguida, procure a delegacia pra registro da ocorrência. Caso existam registros das conversas ou comprovantes de depósito, recomenda-se levar para fins de investigação”, orienta o delegado Demetrius.

Sobre o autor

Maria Luiza Piccoli

(41) 9683-9504