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Fogos da discórdia

Escrito por Giselle Ulbrich

Defensores dos animais e entusiastas dos fogos de artifício debatem sobre questão delicada

A discussão sempre vem à tona nesta época do ano: os fogos de artifícios x os animais. De um lado, os “cachorreiros” rechaçam os estampidos, alegando que o barulho traz desespero aos animais. Já os fabricantes e comerciantes do produto mostram que o artifício faz parte do festejo popular e que cães e fogos sempre conviveram sem maiores problemas. A Tribuna ouviu ambas as partes e uma pessoa “neutra”, que discorda com qualquer “extremismo”.

Turma “animal”

Foto: Arquivo
Foto: Arquivo

A vereadora Fabiane Rosa propôs, no início do ano, um projeto de lei que proibia os fogos de artifício com estampido em Curitiba. O projeto já passou por todas as comissões da Câmara Municipal e aguarda ser incluída na pauta de votação.

Conforme Fabiane, o problema não é só com os cães, mas é com animais em geral. Até com humanos, como idosos, doentes e pessoas especiais, como autistas, que sofrem com o barulho. Sem contar o despejo de gases tóxicos na atmosfera. “Os animais possuem audição sete vezes mais sensível que a nossa. Se para nós já é um terror, para eles é um pânico. Eles entram em choque, convulsionam, se prendem ou se machucam tentando fugir do barulho, alguns até morrem. Animais silvestres se perdem, se debatem em árvores, casas, prédios e outros obstáculos. Se você for no Barigui, no 1.º de janeiro, veja a quantidade de aves mortas”, alegou Fabiane.

Na visão dela, fogos só fazem mal e não trazem benefício nenhum. “Muita coisa foi tradição no passado, mas tivemos que evoluir. Escravidão já foi tradição no passado, hoje é um absurdo. É preciso evoluir”, alega a vereadora.

Conforme ela, várias cidades ao redor do Brasil estão discutindo leis como a que ela está propondo, como Santos, Ubatuba e Campinas, no estado de São Paulo, e Bombinhas, em Santa Catarina.

Turma “da festa”

Foto: Freepik.com
Foto: Freepik.com

Fogos de artifício existem há dois mil anos e são símbolo de alegria e comemoração. Walter Jeremias, dono da fogos Caramuru e diretor da Associação Brasileira de Pirotecnia, diz que não há nenhum trabalho científico ou técnico que prove que os fogos fazem mal aos animais. “Eventualmente alguns se assustam, assim como pessoas também. Mas tem outros ruídos como de avião, escapamentos de veículos, etc., tão barulhentos quanto e os bichos estão acostumados”, compara.

Walter mostra que qualquer lei municipal, proibindo fogos, é inconstitucional, pois existe uma lei federal (Decreto 4238/1942) que permite e regulamenta a fabricação, comercialização e uso de fogos em todo Brasil.

Nem por isto Walter não gosta de animais. Ele se intitula um protetor, visto que possui uma fazenda com 70 cães, todos resgatados de rua. “Vacinados, bem cuidados e sem medo de fogos”, alega. Walter conta que, na região das fábricas de fogos, em São Paulo, há muitos cães de rua e canários da terra (esses amarelinhos) pela ruas. Os cães vão atraídos pelo cheiro da comida servida nos refeitórios dos funcionários. “Nas fábricas, soltamos fogos o dia inteiro, pois o produto precisa ter sua qualidade atestada antes de ir às lojas. Os cães convivem muito bem com o barulho, não se assustam”, diz ele.

Rodolpho Aymoré Júnior, proprietário da loja de fogos Aymoré e presidente da Associação Industrial e Comercial de Fogos de Artifícios do Paraná, também rechaça a lei contra fogos. “O direito dos humanos transcende a dos cães. Eu, por exemplo, sou vegetariano desde 1999, porque não concordo com o sofrimento animal. É uma inversão de valores que está gerando problemas familiares, sociais, antropológicos”, reclama. Apesar do movimento dos “cachorreiros” ter ganhado força nos últimos tempos, Rodolpho conta que muita gente discorda. Haja vista o recorde de vendas de fogos, este ano, que subiu quase 36%.

Coluna do meio

Adolfo Sasaki é diretor da Associação de Clínicos Veterinários do Paraná (Anclivepa) e médico veterinário da Vetsan, centro médico instalado dentro do pet center Hiperzoo, no Parolin. Ele concorda que os fogos de artifício são sim prejudiciais aos animais. Mas discorda com qualquer extremismo. Não é o caso de proibir, mas de ensinar os animais a lidarem com isto e dos donos darem todo apoio e proteção a eles. É a guarda responsável.

“Os cães não sabem que a gente faz este barulho pra festejar. Então ele pode pensar que é um predador, uma intempérie da natureza que ele tem que tomar cuidado. É egoísmo da nossa parte deixa-lo sozinho nesta hora”, mostra o médico.

“Os cães de casa e sempre tiveram muito medo dos fogos. Escondiam-se nas casinhas, fugiam, e os proprietários nunca observavam esse lado psicológico deles. Mas agora há uma humanização exagerada dos cães, que não acho salutar. Mas como estamos mais próximos deles, observamos melhor essa fragilidade”, diz o veterinário, que tem opinião neutra, pois não acredita que os ’cachorreiros’, nem os comerciantes de fogos, estão certos ou errados. Entende que cada um tem suas razões.

Para Adolfo, o extremismo de proibir fogos não é salutar. Para ele, o humano não deve mudar o jeito de viver por causa dos cães. Mas sim adaptar o cão ao nosso jeito. “É melhor conscientizar as pessoas que cão não é brinquedo e buscar cuidar, tratar e ensinar, do que simplesmente proibir algo. Isso não é maus tatos, nem ter o coração duro. Até nós mesmos nos assustamos com fogos. Isso é maus tratos com as pessoas? Acho fantástico o dono cuidar muito bem do seu cão, mas não exagerar nessa humanização também”, pondera ele.

Saiba como cuidar do seu animal

Proteja

– Coloque algodão nos ouvidos de seu cão

– Coloque-o num quarto fechado, com o máximo de isolamento do som

– Se possível, deixe-o num lugar com o seu cheiro, para sentir-se mais confortável

– Ligue a TV, ou uma música, para que o cão não perceba tanto o barulho lá fora

– Dê brinquedos, para que se distraia

– Coloque comida ou petiscos dentro do brinquedo. O cão fica tão entretido que ‘distrai‘ do barulho

– Apesar das dicas, o dono tem que estar JUNTO ao animal

– Em alguns casos, os médicos prescrevem homeopatia, florais e fitoterápicos calmantes

– Para em que nada funciona, pode-se usar tranquilizantes, mas com o veterinário junto

Fonte: Adolfo Sasaki, médico veterinário

Ensine

– Mostra que não é algo ruim. Ao ouvir fogos, ao invés de pegar o bicho no colo e agradar, faça festa, jogue um petisco, brinque

– Grave vídeos e sons de fogos e mostre ao cão em som baixo

– Quando o cão se acostumar àquele som, vá aumentando o volume. Um pouco a cada dia

– Ao invés de vídeo, é possível ensinar o cão com os próprios fogos

– Nas primeiras semanas, encha um saco de pão e estoure. Comece de longe

– Quando o cão se acostumar com o saco de pão, passe a utilizar estralinhos, aqueles utilizados pelas crianças nas festas juninas

– Vá passando gradualmente a foguetes mais fortes

– ATENÇÃO: NUNCA solte os fogos perto do cão, pois pode machucar o corpo e os tímpanos. Faça à distância.

Fonte: Adolfo Sasaki, médico veterinário, e Walter Jeremias, da Associação Brasileira de Pirotecnia

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

(41) 9683-9504