Jornalismo insensato

Na novela escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares, o ator Cássio Gabus Mendes interpreta Kléber Damasceno, um jornalista veterano que defende seus ideais esquerdistas do passado onde imperavam a ética e a transparência de um jornalismo sonhadoramente “imparcial”. No folhetim, a turma da propaganda leva uma doce vida, convive com a elite carioca e os negócios vão a todo vapor. Os profissionais de publicidade não agem com o coração e sim com a razão. Suas estratégias para atrair grandes investimentos e clientes poderosos geralmente funcionam. Enquanto isso, no núcleo pobre da novela, o nosso jornalista está sempre passando dificuldades financeiras e como se não bastasse, alguns personagens à sua volta são humilhados pelo pessoal do núcleo rico do folhetim, é o caso da secretária (Isabela Garcia), ex-mulher do jornalista, que antes de ser demitida foi esculachada pelo banqueiro ricaço (Herson Capri), que agora está preso.

Em outro capítulo da trama, o jornalista, depois de chegar bêbado na redação, em pleno horário de expediente e afrontar o editor-chefe é sumariamente demitido. Passado alguns capítulos descobre-se que o desafortunado jornalista é também viciado em jogos de azar e freqüenta uma espécie de jogadores anônimos para tentar se livrar de mais este vício, sem falar na sua condição explícita de homofóbico. Após ficar desempregado o jornalista resolve se aventurar em um blog. Escrever em um blog significa dar asas à liberdade de suas convicções. Como o jornalista é separado e está sempre na pindaíba, vai morar com seu irmão. Em um belo dia, o agora blogueiro, está na sala de estar atualizando o seu blog, eis que surge o seu irmão enfurecido por ele ter usado o creme de barbear sem seu consentimento;

 – Eu não tenho cara de pau como outros aí que não repõe o creme de barbear que usam sem permissão.

 – Já entendi, essa conversa toda foi pra esfregar na minha cara a minha situação difícil – diz o jornalista.

 – Se está difícil, a culpa é sua mesmo, se não tem vaga em jornalismo trabalhe em outra coisa, esse blog é que não vai te sustentar. Por exemplo, vem me dar uma força lá no bar, quando tem roda de samba eu preciso de um outro garçom.

 – Você tem idéia de quantos ministros eu ajudei a derrubar? Eu cobri o impeachment do Collor, investiguei os mensaleiros e você quer que eu termine meus dias servindo bolinho de bacalhau?

 – Não Kleber, eu quero que você termine seus dias sem depender de mim, ou então deixe essa barba crescer e não gaste o meu creme de barbear seu folgado!!

Todas as atribuições negativas concentradas no pobre profissional da imprensa, numa só novela, nos fazem crer que o jornalista idealista, em nenhum momento, age com a razão, somente com o coração, um insensato coração. Você pode estar se perguntando, isto não é apenas ficção? A ficção, comparada com a realidade, muitas vezes nos induz de forma errônea na percepção das coisas, principalmente tratando-se de um veículo de comunicação como a TV Globo que possui um alcance extraordinário no país, mesmo que de maneira fictícia, exerce forte influência de raciocínio nas massas. Se a idéia era mostrar personagens que refletem o espelho da realidade, desta vez, a televisão se superou e foi muito além da imaginação.

Segundo o site: www.memoriaglobo.globo.com, Gilberto Braga é formada em letras e o Ricardo Linhares em jornalismo, um colega de classe. Tudo bem que é ficção, mas não exagera, né, Ricardo? Afinal a gente está passando por um momento delicado em que o Supremo Tribunal Federal constatou que a obrigatoriedade do diploma par,a o exercício da profissão não é legítima.

Somos agora o patinho feio das profissões. Só que nós jornalistas somos teimosos, não tem jeito, já está em andamento no senado a Proposta de Emenda Constitucional –PEC – 33/09, de autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que visa restabelecer a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para exercer a heróica função. Acompanho diariamente cada capítulo dessa novela da vida real, creio de coração, em um final feliz.