Fui na manhã de ontem na papelaria da Elaine, no Boa Vista, no começo da Rua Holanda, onde o trem faz a curva e o vento apita antes de uma chuva brava. Ela é coxa-branca até a medula e sempre sorri como uma criança de sardas e jeito inquieto. Para variar, estava de blusa verde e branca – nem era do Coritiba. Eu perguntei: “Cadê a camisa do Coxa?”. Ela respondeu: “O manto sagrado está em casa. Aquele é especial”. Houve tempo em que Elaine cerrava fileiras com o pessoal da Império Alviverde. Por isso, não é de estranhar que se engalfinhe ainda hoje em polêmicas verbais com atleticanos.
E um deles, um senhor, gosta de tentar tirar Elaine do sério – sem sucesso. De provocação, quando vai comprar alguma coisa, bota agasalho rubro-negro e entra sapecando: “Respeito, que está entrando um homem com o manto sagrado”. Ela ri e começam a discutir qual manto é mais sagrado que o outro. Conversa de balconista e cliente que termina sempre com sorriso e provocação. Mas há algumas semanas, quando o velho falou de manto sagrado, entrou alguém com agasalho do Coxa. Elaine abriu um sorriso e disse: “O meu manto sagrado é aquele ali”.
Ela disse e ficou lívida. O sujeito parecia o grande ídolo do Coritiba, talvez o maior de todos: o Flecha Loira em carne e osso. Elaine é esperta e garota esperta não acredita em coincidências. Mas o cara parecia demais. O atleticano, velho e experiente, percebeu na hora. Ele ganhava a discussão e chegou reforço de peso. Mas não titubeou e saiu com esta: “Eu não sei se o que ele veste é manto sagrado, mas quem está usando esta jaqueta tem todo meu respeito e admiração. O grande Dirceu Kruger” (foto). Fechou a discussão de forma elegante, respeitosa, com chave de ouro e de uma maneira que só acrescenta em grandeza aos dois clubes.
O velho atleticano foi embora e Elaine atendeu Kruger, que foi comprar produto de papelaria para consumo doméstico – uma caderneta de anotações. Elaine sugeriu uma simples e eficaz, disse que era Coxa, Kruger sorriu discreto e foi embora. Foi um dia especial para a garota. Mas o dia seguinte seria ainda mais: quando voltou do almoço ela encontrou um pequeno embrulho, deixando por um homem loiro de meia idade que passou por lá. Ela abriu, era a tradicional camisa do Coxa, de duas listras horizontais. Ela balbuciou: “Eu tenho certeza de que foi ele. Eu tenho certeza de que foi o Kruger que passou aqui e me deixou”. Ela tinha a certeza que não precisa ser confirmada. Se fosse apostar o último centavo, diria que foi ele. Elaine, ainda que não precisasse, teve mais um motivo para nunca tirar o Coritiba do coração.
O gesto de Kruger não surpreende, porque a sua elegância é proverbial. Todos que o conhecem o respeitam porque é exemplo de profissional. E gesto como este faz parte de sua trajetória de cavalheiro do esporte, é exemplo para qualquer vivente. Também me chamou atenção a forma respeitosa como o atleticano o tratou. Elegante, amistoso, sem ódio ou aleivosias. Torcer é amar um clube e não odiar outro. E respeito é como ar. Quando não existe, a atmosfera pesa e ninguém respira. Não há convivência civilizada sem respeito mútuo. O mundo seria feliz e Coritiba e Atlético seriam ainda maiores se todos fossem como estes três personagens. Pessoas que dão exemplo no dia a dia, porque elas são assim.