Por baixo daquela carranca sonolenta, Nelson tinha uma alma de mulher

Comprei ontem num sebo um livro chamado “Agarre seu Homem”. Conselhos de uma escritora americana chamada Veronica Dengel para a mulher dos anos 40 segurar o seu homem e não perdê-lo. Dengel era dona de salão de beleza nos Estados Unidos e ensina o que aprendeu ouvindo de suas clientes. O detalhe é que o livro foi traduzido por Suzana Flag. Que era escritora carioca famosa naquele tempo.

A editora O Cruzeiro apresenta a autora: “A conhecida escritora coloca a mulher diante do homem, como que fornece à mulher um mapa de seu próprio corpo e de seu próprio espírito, procurando nela despertar os sentimentos mais femininos”. Com um detalhe: os conselhos íntimos estão reunidos num capítulo indevassável lacrado que depois de lido deve ser rasgado. Depois de ler isto, claro que comprei o livro, porque o capítulo indevassável foi lido, mas não foi rasgado.

Cheguei em casa e fui direto ao capítulo dos conselhos íntimos. A coisa era meio no estilo “Analista de Bagé”: “Não tome ducha depois que começar a menstruação; depois que terminar esse período, entretanto, uma ducha deve ser usada como medida de higiene”. E mais: “Use os cintos apropriados com clips para prender o modess, isto evitará o uso de alfinetes e a formação de um feio bolo por baixo do vestido”. E por aí vai.

Conselhos que não seriam úteis hoje em dia pela evolução dos produtos íntimos femininos. Como curiosidade bibliográfica, é claro que vale saber como se preocupavam as mulheres dos anos 40, porque o livro chegou ao Brasil em 1949. Mas tem coisas que aprovei: “A mulher que usa o banheiro na presença do marido está destruindo a ilusão e o sonho que inspirou”. Veronica tem razão: ver qualquer pessoa sentada num vaso sanitário fazendo força não é nada romântico. Ainda que seja o papa. No caso dele, pior ainda.

Quanto a Suzana Flag, era uma escritora de folhetins que publicou títulos como “Meu Destino é Pecar”, “Núpcias de Fogo”, “Escravas do Amor”, “Minha Vida”, “O Homem Proibido” e “A Mentira”. O Jornal em que os folhetins eram publicados teve a tiragem elevada de 3 mil para 30 mil exemplares. Um sucesso. Mais tarde descobriram que Suzana Flag era, na realidade, o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, que gostava tanto de pseudônimo feminino que tinha mais um, Myrna, que além de escrever “A Mulher que Amou Demais”, era conselheira sentimental. Por baixo daquela carranca sonolenta, Nelson Rodrigues tinha uma alma de mulher. E de mulher sofrida. Quem diria!