O cara me olhou com ódio no olhar e perguntou com voz mansa e ameaçadora: “O senhor faz as resenhas para o jornal, não é?”. Eram nos dois naquela área do mercado. Ele do outro lado do balcão e eu no lado de cá. Ele com roupa branca de padeiro e eu à paisana. Eu disse que era o cara das resenhas para o jornal. Ele balançou a cabeça como fosse dizer algo profundo: “Então o senhor sabe que este mundo é pequeno e dá muitas voltas, não é mesmo?”.

continua após a publicidade

Eu não disse que achava o mundo pequeno, porque acho o mundo até grande para as minhas necessidades básicas. Mas concordei que o mundo dava muitas voltas. Não disse, mas pensei que em torno de seu próprio eixo o mundo dá uma volta a cada vinte e quatro horas e ao redor do sol, uma volta completa a cada 365 dias. E isso sem direito a férias e a décimo-terceiro.

Ele me contou ainda com ódio no olhar que na semana passada foi humilhado por um sujeito ali mesmo no lugar em que estávamos. O cara o ofendeu de tudo que foi nome e ele engoliu calado porque se reagisse seria demitido. “O cara falou que tinha vontade de enfiar a mão na minha cara. Que queria pular o balcão e eu ia ver do que ele era capaz. Falou muito. Sabe, ouvi calado. À noite não dormi pensando naquele sujeito”, contou ele.

Ele respirou fundo e depois deu um riso sarcástico. “Mas não é que ontem eu peguei o Tamandaré e vi o sujeito dentro o ônibus? Ele estava lá inteirinho pra mim”. A narrativa ficava emocionante. Eu perguntei o que ele fez. Ele disse: “Eu cheguei com esta voz mansa com a qual eu vos falo e disse: mas que prazer de encontrá-lo aqui, meu senhor”.

Ele contou que o sujeito quando o viu ficou pálido. Ele continuou: “Eu quero que o senhor faça a gentileza de descer comigo para terminar aquela conversa que a gente teve no mercado. O senhor disse que queria enfiar a mão na minha cara. Eu vou lhe dar essa honra”. O sujeito gaguejou e disse: “O senhor me desculpe, mas eu estava muito nervoso”. Ele respondeu: “Pois eu estou calmo e quero acertar esta conta agora”.

“Eu estava tranquilo, sabe? Ele era alto, mas eu sou baixo e forte. No exército o pessoal me chamava de Marreta. Cada pancada que em dava era um que desabava”, contou. Resumo da contenda: “O cara se apavorou, apertou a campainha e desceu num lugar escuro entre Curitiba e Tamandaré e correu para o meio do mato”. Ele fez pausa e repetiu: “O mundo é pequeno e dá muitas voltas. Esta é a minha resenha”.

continua após a publicidade