Para alguns era motivo de riso ele acompanhar ou perseguir as pessoas que passavam pela Rua XV, imitando gestos e transformando anônimos em indesejados coadjuvantes de um espetáculo repentino e passageiro. Para outros, que se aglomeravam para ver as estripulias, aquilo era o máximo – afinal, eles não estavam sendo usados e ganhavam um show de graça. Alguns dos coadjuvantes riam, outros se irritavam. De qualquer forma o palhaço da Rua XV, o Sombra, por grudar nas pessoas como fosse a sombra delas, virou um personagem da cidade. E transformou aquele pedaço da rua mais famosa da cidade num improvisado picadeiro de circo.  

continua após a publicidade

Se todos viam as caras dos coadjuvantes, embora anônimos, muitas vezes caras de quem não gostavam da brincadeira, a cara do palhaço era oculta por uma máscara formada pela pintura em seu rosto, que dava a ele uma aparência inofensiva, divertida, marota, espevitada, traquina e os adjetivos podem se suceder, porque no caso de um palhaço eles são intermináveis. Se não foram muitos os sombras da cidade, pelo menos o personagem não se resumiu a um intérprete – ou palhaço. O primeiro, Alcebíades Juliani, de 53 anos, que há 20 anos desempenha o papel, foi parar na cadeia na tarde de domingo, no bairro Parolin, acusado de matar com duas facadas nas costas um homem de 25 anos, chamado Cássio e que era suspeito de cometer assaltos na região.

Ele alegou legítima defesa, embora as costas não sejam um alvo tradicional para quem se defende. O certo é que domingo no Parolin teve um defunto na rua e o palhaço foi quem fez o serviço. Na delegacia ele disse que se sentia envergonhado por estar preso: “Foi legitima defesa. Perdi a cabeça. Eu não me arrependo por ter matado esse cara. Ele fazia maldade com todo mundo”. Agora o palhaço teme por seu futuro: “Vamos esperar para ver o que a justiça vai fazer”. E se preocupa com o seu público: “Peço perdão e espero que um dia eu possa voltar às ruas”. O delegado Vilson de Toledo acredita na hipótese de legitima defesa. Mas, naturalmente, os próximos dias do palhaço serão de angustia.

Este crime evidencia algo que o cinema já mostrou em pelo menos dois clássicos. Atrás da máscara do palhaço existe um ser humano igual a todos e talvez dramas ainda mais tormentosos. Em 1952, o diretor Cecil B. DeMille fez o filme O maior espetáculo da Terra, sobre a vida no circo. O palhaço Buttons – interpretado por James Stewart – passa o tempo inteiro maquiado, escondendo o rosto. O mistério acompanha os vários dramas que se desenvolvem de forma paralela durante o filme. Quase no fim sabe-se que o palhaço é um ex-médico procurado pela polícia pelo assassinato da mulher. Outro filme que mostra as entranhas angustiantes sob a máscara de um palhaço é O Anjo Azul, de 1930.

continua após a publicidade

Neste caso, um velho professor se apaixona por uma cantora de cabaré que por quatro anos o sustenta e depois o trai e o usa como palhaço em um espetáculo. Por fim ele volta para a sua sala de aula vazia, rejeitado e humilhado e morre sozinho. Enfim, cada palhaço não é apenas um espetáculo e fonte de alegria. É também um ser humano cheio de contradições, dúvidas, defeitos e dramas pessoais. Se ele ri e faz rir, quando tira a máscara ele se revela como qualquer outro. E, às vezes, pior que a maioria. O palhaço também tem seu dia de sangue e de lágrima.