No tempo em que a moçada furtava Brucutu

Eu sou de um tempo em que o máximo de vandalismo que a moçada praticava nas ruas, era furtar Brucutu. Mas aí o leitor pergunta com razão: que é Brucutu, cara-pálida? Então vamos à história. Por volta de 1965 surgiu a onda do Brucutu. Foi neste ano que Roberto Carlos gravou uma canção com este nome, traduzida por Rossini Pinto, originalmente inspirada num personagem de histórias em quadrinhos. O personagem era um sujeito grosseiro, até compreensivelmente, porque era um homem das cavernas. Até aí tudo bem. A coisa começou a complicar e virou onda quando alguém resolveu fazer um anel com uma pequena peça cromada do capô do Fusca e deu a este anel o nome de Brucutu. A moçada furtava a peça cromada para fazer o anel Brucutu.

E como uma febre, todos os jovens do país de uma hora para outra queriam ter um anel daquele. Era bacana ter um Brucutu no anelar da mão direita. No entanto, para fazer o anel era preciso arrancar a peça cromada do bico do lavador do para-brisa do Fusca, uma vez que ele não era vendido separadamente – ou era mais fácil furtar que comprar numa das poucas lojas especializadas. Resumindo, todo mundo começou a furtar a peça de Fusca estacionado. Se o dono vacilava um segundo, bailava. Não era difícil furtar, era até simples. Às vezes era possível arrancar apenas a capa, mas se o sujeito fosse desajeitado e grosseiro, ele tirava uma parte maior da peça e o prejuízo aumentava. Foi um tormento para os donos de Fuscas. Nenhum tinha interesse em ter o veículo danificado por causa de uma moda tola e passageira.

O fato de ter de furtar a peça deu à moda um componente de rebeldia. Vamos exagerar, de vandalismo. De luta contra o sistema – o sistema de quem tinha um Fusca em casa. Na minha cidade, os garotos deixavam para ir à caça do Brucutu nas manhãs de domingo, quando as famílias iam à missa – enquanto o dono rezava a moçada furtava. Nem todos tinham interesse por aquele pequeno componente do Fusca. Mas as garotas tinham – e assim até os que não tinham interesse também saíam para atacar os Fuscas estacionados, para furtar e fazer um Brucutu para as garotas. Como diz o velho ditado: quando o sujeito está apaixonado, as garotas sempre têm razão. Virou uma paranoia.

O dono do Fusca não tinha medo que roubassem o carro – porque roubo de carro nos anos 60 era raro – mas que roubassem a peça. Ele teria de comprar outra, que também era furtada. E assim, sucessivamente. Alguns donos de Fusca resolviam o problema de maneira simples: deixava o limpador do capô sem a parte cromada, apenas com a borracha preta. Funcionava do mesmo jeito e ele não se preocupava com o vandalismo. A moda não durou muito por vários motivos. O primeiro é chegou um momento em que não tinha mais Fusca com a peça cromada: todas foram furtadas e os donos não a repuseram pelo elementar motivo de que ela seria novamente furtada. O segundo foi que alguns artesãos espertos percebendo um promissor nicho comercial, passaram a encomendar tal acessório às fábricas em São Paulo e começaram a fabricar os tais anéis. E a vendê-los a preços módicos em qualquer bazar.

Com isso, a componente rebeldia da onda jovem, que era o furto, ficou comprometida. Não fazia sentido danificar o carro de alguém, correndo o risco de ser flagrado e levar um puxão de orelha ou um tabefe, se podia comprar Brucutu com anel e tudo por uma mixaria. Facilidade que por um capricho feminino tirou todo o interesse das moças em tal acessório. E o terceiro foi que a Volkswagen não esperou a moda passar, para mudar a capa cromada do bico do lavador do para-brisa do Fusca por outra de plástico, sem maior charme e sem outra utilidade que não fosse a de esguichar água no para-brisa. E foi assim que a moda de usar anel Brucutu passou e no ano seguinte só usava aquele tipo anel quem estivesse por fora da onda. E Brucutu voltou novamente a ser o nome de um personagem de história em quadrinhos, um sujeito meio nervoso, ingênuo, mas até bacana, que tinha uma namorada chamada Ooola e morava num lugar chamado Moo. Parodiando Roberto Carlos, esta foi uma das muitas histórias que aconteceram comigo nas ruas das cidades por onde andei.