Talvez porque no tempo em que fui jovem ela fosse uma coisa marginal, de todas as manias dos últimos anos a que menos me atraiu foi a tatuagem. Sei que sou minoria, porque há uma multidão de pessoas tatuadas pelas ruas da cidade – de operários a patricinhas. De gente feia a gente bonita. Num começo de noite eu fui ao mercado perto de casa e a caixa tinha duas tatuagens uma em cada braço, era um texto tão longo que eu pensei que ela tivesse tatuado o Padre Nosso em latim num braço e em português no outro. Mas era um nome. Então pensei que fosse o nome do namorado da moça e na hora cogitei: ‘Se este namoro acabar, o que ela vai fazer com isso?‘. Ela percebeu que eu a observava e mostrou com evidente orgulho os dois antebraços cruzados na frente do peito – e um belo sorriso no rosto: ‘Gostou?‘
Eu não disse nem que gostei nem que não gostei. Eu perguntei quem eram as duas pessoas cujos nomes foram tatuados. Ela leu: ‘Aqui está escrito: Wanderson Cleverson você é o amor da minha vida‘. E explicou que o homenageado era o seu filho. No outro braço ela recitou como estivesse lendo: ‘Meu pai e minha mãe são meus amores eternos‘. Claro que eu estava diante de dois casos de amor – o amor filial e o amor materno. Mas precisava tatuar? E o pior de tudo isto é que a tatuagem não é uma coisa nova, que eu possa condenar como uma praga moderna. Nada. É coisa antiga. Há 4 mil anos os antigos egípcios já se tatuavam.
Durante a Idade Média, por conta da Igreja Católica, cujo papa a proibiu em 787, a tatuagem encontrou um freio. Nesta época chegou-se a considerar a tatuagem como algo demoníaco ou vandalismo do corpo. Mas, ainda assim, os Cavaleiros de São João de Malta tinham o hábito de se tatuarem. Estou tão abandonado nesta falta de apreço pela tatuagem que nem a igreja católica que tem mania de condenar um monte de coisas condena a tatuagem. Que é condenada por mórmons, judeus e muçulmanos sunitas. Talvez a culpa de minha birra seja do dinamarquês Knud Harld Likke Gregersen. Este sujeito apareceu em Santos nos anos 60 e botou uma loja de tatuagem numa área barra pesada, cheia de bêbados, prostitutas, drogados e traficantes. Como esta gente virou freguesa do Knud, dizem que a partir daí a tatuagem foi associada com marginalidade. Principalmente no Brasil.
No Brasil e em alto mar – porque os piratas, principalmente os piratas pirados, se tatuavam. O que era indiferente, eles continuaram feios do mesmo jeito. A televisão, internet e meios de comunicação difundiram a tatuagem e deram a ela conotação de charmosa rebeldia. E depois que jogadores de futebol, atores e manequins pegaram gosto pela coisa, ninguém mais segurou a mania. Parodiado o ex-presidente Lula, nunca na história deste país os homens e as mulheres se tatuaram tanto – e em todas as partes do corpo, nas costas, nos pulsos, nos calcanhares e também em regiões distantes dos olhares como o púbis ou ainda mais escondidas. Eu tenho uma amiga chamada Aninha e ela fez uma tatuagem bem discreta, na nuca. A mãe dela chiou: ‘Menina, quando você ficar velha, já imaginou que coisa horrível?‘. Aninha saiu-se bem com esta resposta: ‘Mãe, quando eu ficar velha, todos os velhos estarão tatuados‘. Eu nem tinha pensado nisso. No futuro, todos os velhos serão tatuados.