Uma mania do curitibano que acho resquício da velha província é chamar alguém de vizinho, ainda que não seja vizinho. Eu presumo que seja um tratamento simpático. Na semana passada eu encontrei Dona Angelina na fila do pão no Mercadorama. Era a primeira vez que eu a via. Uma senhora de 78 anos, bestificada com o calor dos últimos dias de setembro do presente ano. Como ela disse: “Coisa de louco!”.

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Ela contou que no dia 2 de novembro de 1950 a mãe dela levou-a ao cemitério. Ela lembra bem do dia porque era Finados. “Naquele tempo não tinha calçada, era terra e fazia tanto frio que a garoa formou uma fina placa de gelo sobre o solo e a gente corria sobre ela escorregando e quebrando o gelo”, disse. Ela disse isso para eu ter ideia: em 1950, tinha gelo em novembro. Hoje tem asfalto quente em setembro.

Um sujeito à frente na fila ofereceu o seu lugar para Dona Angelina. Como ela estava engatada no papo comigo, declinou. Declinou, mas observou: “Isto é gentileza. Isto é boa ação”. E contou a história de um vizinho dela que tem mania de fazer boas ações, mas sempre faz coisa que ele acha que é boa ação, mas a pessoa agraciada não tem o menor interesse.

“O nome dele é Oscar. Uma manhã o Oscar chegou em casa com uma cesta de café da manhã. Disse que o café da manhã daquele dia era ele quem ia preparar. Começa que eu já tinha tomado café. Para não fazer feio, tomei um chá que ele fez, eu que não gosto de tomar chá. Comi um monte de bolachas e doces que ele trouxe. Eu estava empanturrando e ele me enfiando coisas”, contou Dona Angelina.

“Vizinho, depois ele me levou para o quintal e começou a dar arruda para eu cheirar, para lembrar os bons tempos. Eu gosto de manjericão. Não gosto de arruda porque meu pobre pai quando ficou velho não tomava banho e botava arruda na orelha para ficar cheiroso. Aquele cheiro de arruda e de suor até hoje me causa enjoo. Aí o Oscar foi embora e fiquei mareada com o cheiro de arruda. Estava de barriga cheia. Moral da história: fui ao banheiro e vomitei todo o café da manhã do Oscar”, disse ela.

Fiquei com vontade rir. Não era trágico. “Imagina vizinho, que o Oscar falou pra todo mundo que fez boa ação pra mim. Boa ação é quando a pessoa quer, não quando quem faz acha que é. Não adianta atravessar a rua com a velhinha. Tem que saber se ela precisa, não é mesmo?”. Dona Angelina está certa. Tem gente que faz caridade pensando em aliviar a consciência e não em fazer bem para a coletividade.

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