A dura vida de um cobrador de ônibus

Tem cobrador mal educado. Pela minha experiência de usar ônibus das mais variadas linhas e cores e para todas as direções, eu diria que é exceção. A maioria é educada, até onde é possível ser educado naquele poleiro apertado enquanto centenas de pessoas com os mais variados humores passam na sua frente. Começa aí. Eu perguntei para Mariana: ‘É confortável isto aí?‘. Ela respondeu: ‘Confortável não é, mas a gente acostuma‘. Tudo bem. Mariana é baixa, ‘cheinha’, cabelos pintados de vermelho ou ruivo, calça Lee e jaleco cinza. Ela comanda o departamento financeiro de um ônibus da linha Barreirinha.

Depois que eu passei a catraca e me sentei, eu me lembrei de Dorotéia. Ela comanda o departamento financeiro de um Interbairros II. Num dia destes, tarde fria, Dorotéia usava luvas negras com as pontas dos dedos para fora, para evitar o frio nas mãos, mas não perder a agilidade com os dedos para pegar moedas e notas. Assim como Mariana, Dorotéia aparenta 50 anos. Quando eu fui passar na catraca, ela me olhou assustada. Eu estava com uma nota de vinte. Por fim ela pegou a nota ainda desconfiada e me deu o troco. Quando eu passei a catraca, ela disse: ‘Desculpa, moço! É que eu acabei de ser assaltada!‘. O assaltante usou o golpe da nota de vinte. Quando o cobrador vai pegar uma de dez, para o troco, ele aponta o berro.

Ser assaltado é terrível. O sujeito pode perder a vida por uma estupidez. Que é o assalto. E a vítima fica chocada por horas – ou a vida inteira. No caso de Dorotéia, continuou trabalhando sem tomar copo de água com açúcar. Eu disse que trabalhava na Tribuna. Ela abriu o jogo, pediu para não citar nome, ‘se não me mandam embora‘. Por isso, o nome de Dorotéia, não é Dorotéia. Ela disse que precisava do emprego. Mas a vida de cobrador não está fácil. Ele tem que se virar com o troco, que a empresa não facilita. Se no começo da jornada tem o azar de pegar dois ou três com nota de vinte, pronto, é confusão certa. Até explicar que focinho de porco não é tomada, já tem passageiro rodando a baiana. Afinal, o passageiro também tem suas razões.

Isto é café pequeno. Cobrador ganha mal e paga pela segurança que as empresas deviam proporcionar. Se são assaltados, correm o risco de ser mortos por um bandido estúpido, que acha que a vida humana vale menos que dez ou trinta reais. Se entrega o dinheiro, está ferrado. Até um teto de vinte passagens a empresa banca. Passou daí, o assaltado tem que pagar a conta. Se for mil reais, azar dele e sorte do bandido e do patrão que não bota a mão no bolso. No final das contas, o bandido leva o dinheiro, a empresa leva o sangue do cobrador e no fim do mês o cobrador está no vermelho.

Dorotéia disse que tem ‘fim de semana que tem dez assaltos ou mais apenas por empresa‘. Como Curitiba tem 19 empresas em três consórcios fiquei sem saber se o número deve ser multiplicado por 19 ou 3. Mas, ainda assim, é um número elevado. ‘Eles assaltam mais as estações tubo. Às vezes fazem fila e assaltam de três a cinco em seguida‘, diz ela. No ônibus também a coisa é feia. ‘As empresas não estão nem aí para o problema‘, diz. A conversa parou ai porque eu desci e Dorotéia foi em frente com seus problemas. E eu fiquei com uma certeza: vida de cobrador não é mole.