Suplício de Tântalo

A mitologia nos fala do suplício de Tântalo, antigo monarca da Líbia condenado a morrer de fome e sede, circundado por um luxuriante pomar de árvores frutíferas e regatos cristalinos, nos quais não podia tocar, para expiar a culpa de ter oferecido aos deuses o próprio filho, num sacrifício inconseqüente.

Houve quem se aventurasse a comparar tal sentença ao martírio intelectual da maioria dos ouvidores da aula magna da última terça-feira, na escolinha do professor Raimundo, quando a professora Olgária Matos discorreu monocórdica e em linguagem cifrada sobre um tema de ofício dos iniciados no pensamento filosófico cultivado pela Escola de Frankfurt, onde pontificaram expoentes da modernidade como Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer, entre outros.

Grego puro para a maioria absoluta dos presentes, esforçados é verdade, mas em total catatonia a julgar pelas expressões de espanto captadas pela Paraná Educativa ou, se preferirem, por algumas verbalizações que feriram ouvidos ao final da conferência.

Galhofeiros de plantão, atentos às oportunidades de meter o bedelho onde não são chamados, como autênticos ?paparazzi?, pensam sugerir ao governador Roberto Requião, ele que é chegado a iniciativas do tipo, a entrega rotativa do Troféu Adorno/Horkheimer ao aluno que consiga comprovar 100% de aproveitamento nas aulas semanais. Sugere-se, ainda, que a aferição seja feita com a aplicação das provas usadas para estabelecer os níveis de sapiência de alunos da escola fundamental.

Voltando a Olgária, que recheou sua fala com citações infindáveis da dupla e outros pensadores, aumentando destarte a incompreensão geral, à guisa de atribuir consistência à sua própria elaboração, infelizmente não se preocupou com a evidência da impermeabilidade dos ditos filósofos ao laicato. Mesmo sem querer, acabou contribuindo para aprofundar a desconcertante sensação de vazio esculpida nos rostos da multidão de jejunos do auditório.

Adorno e Horkheimer são de assimilação dificílima, admita-se, como todos os filósofos desde Sócrates. Por isso, não lancemos impiedosamente ao tártaro os disciplinados alunos da escolinha, pela culpa que não lhes diz respeito de nada entenderem da prosopopéia da Escola de Frankfurt, capaz de perpetrar raciocínios lapidares escolhidos a esmo: ?Como signo, a palavra entra na ciência; como som, como imagem, como palavra propriamente dita, ela é distribuída pelas diferentes artes, sem que jamais possa ser restabelecida pela soma dessas últimas, pela sinestesia ou pela ?arte global?. Como signo, a linguagem deve resignar-se a ser um cálculo; para conhecer a natureza, precisa renunciar à pretensão de lhe ser semelhante?.

Há mais: ?Na substituição da herança mágica, das antigas representações difusas, pela unidade conceitual, exprime-se a constituição da vida articulada pelo mando e determinada pelos homens livres?. Um primor de clareza, tal como este outro: ?A insistência metafísica, a sanção por idéias e normas, não passava da hipóstase da dureza e exclusividade que deve sempre caracterizar os conceitos onde quer que a linguagem tenha unido a comunidade dos dominantes ao exercício do comando?. E basta…

A intenção do governo ao convidar a professora Olgária Matos para falar aos freqüentadores da escolinha era valer-se da autoridade duma personalidade marcante nos meios cultos do País e permitir que o debate descambasse – com apuro intelectual – para a recorrente fieira de acusações à mídia, ?que é mesmo de direita?, conforme verberou o secretário Nizan Pereira, escudado em requentadas alusões de Mino Carta.

Olgária ficou na superfície e não se permitiu mergulhos ousados. Não estava ali para isso. Salvou-a, persignam-se os crédulos, a ausência forçada de Requião, que teria mandado às favas os pensadores alemães e desancado, uma vez mais, empresários da comunicação e analistas políticos que não lhe apetecem. É isso.

Ivan Schmidt é jornalista.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna