O PT, depois das eleições

J. Ribamar G. Ferreira

Uma das artimanhas maquiavélicas de quem exerce o poder e luta para conservá-lo é afastar os inconvenientes ou os que ameaçam seu poder presenteando-lhes com uma elevada missão acima da capacidade do escolhido. A distinção da hon-ra envaidece o distinguido que a aceita com gratidão pelo reconhecimento de seu valor. Esse sentimento estimulado obscurece a mínima reflexão sobre suas condições efetivas para a missão. O resultado desejado e esperado pelo nomeante é, em breve, demonstrado com o insucesso do nomeado. Insucesso, por vezes, triste e ridículo em conseqüência dos atos praticados pelo missionário. Há exemplos conhecidos, aqui mesmo, na nossa taba.

A nomeação do vice-presidente da República para ministro da Defesa não está nesse caso. Nem as suas repetidas declarações sobre os juros elevados seriam um motivo para o presidente querer, agora, criar-lhe uma dificuldade. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez a nomeação, conforme disse em sua fala, porque leva a sério o Ministério da Defesa. Foi, assim, uma solução ponderada para resolver a crise deflagrada com um lance mais recente, mas calculado, para aproveitar os gravetos que se juntaram por quase dois anos e acender a fogueira. Às inconveniências do nomeado ser vice-presidente e, como ministro, poder ser demitido a qualquer tempo, deve ter pesado a estatura do cargo de vice e a ideologia liberal do titular que tornaria a nomeação insuspeita por esse traço, porque, de resto, o jovem José Alencar é um bem-sucedido capitão da indústria, mas apenas um recruta agora convocado para dar ordem unida ao exército nacional. Dir-se-á que o cargo é político, no sentido de administração superior sob critérios de objetivos e métodos de governo e, portanto, o desempenho de ministro da Defesa não exige o conhecimento técnico ou profissional do militar. É certo. Mas há coisas da estrutura militar e da formação do militar que ele precisa conhecer e considerar nos diálogos com os chefes militares e nos atos de sua competência. A formação do militar, em razão de sua missão, é muito mais que o adestramento nas armas e nas técnicas de combate. Há nela um condicionamento psicológico necessário que não se muda nem se pode mudar do dia para a noite nem sem razão maior. Desse condicionamento se forma o "espírito de corpo" que leva a corporação a reagir, como uma unidade, quando se sente atacada. Doutrinado, até por razões históricas, com uma visão ideológica e de seu papel no contexto dessa visão, não se pode querer arrancar-lhe o que é sua alma porque a ideologia política de fachada agora é outra. A mudança na doutrina e formação que a história impõe, antes que a concepção errada de ideólogos desacreditados pelos fatos, não pode ser um mero ato de vontade desses ideólogos.

Missão difícil, que não pode ser a anunciada pelo presidente, tem o ministro José Alencar e para a qual não bastam sua boa vontade e seu desprendimento.

J. Ribamar G. Ferreira é advogado e professor aposentado da Universidade Federal do Paraná.