Helio Duque
Há 52 anos, em 1954, Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente da República, dotado de lealdade primitiva, promoveu e coordenou o crime da Rua Toneleros, em Copacabana. O objetivo era matar o jornalista Carlos Lacerda, que no seu jornal Tribuna da Imprensa promovia violenta oposição contra o governo de Getúlio Vargas. No atentado, a bala fatal matou o major Rubens Vaz, da Aeronáutica, e fiel amigo de Lacerda. A crise se instalou com as forças armadas, a Aeronáutica à frente, exigindo a punição do próprio presidente da República.
A República do Galeão, na Ilha do Governador, assim chamada por iniciar processos e investigações sumárias, foi a senha usada pela oposição para o processo de afastamento de Getúlio Vargas. A campanha ampliou-se com a denúncia da existência de um ?mar de lama? no Palácio do Catete. A ação irresponsável, e sem o conhecimento de Getúlio, do primitivo Gregório Fortunato, atingiria em cheio o poder republicano.
Em 24 de agosto de 1954, ante o ultimato militar de afastamento da presidência, ocorrido na madrugada, Getúlio detonou o tiro no peito, suicidando-se. Homem austero e honrado, o que mais o atingira fora a campanha da existência de uma corrupção endêmica apelidada de ?mar de lama no Catete?.
Dez anos depois, em 1964, a Presidência da República, ocupada pelo discípulo getulista João Goulart, era atingida por um movimento insurrecional militar. A acusação para a derrubada do governo constitucional tinha sua matriz no binômio subversão-corrupção. A oposição denunciava a existência de uma república sindicalista que seria o poder fático no Executivo nacional. Os erros e equívocos de João Goulart eram outros, e não aparelhar o Estado com uma visão sindicalista. O recuo na proposta do estado de sítio, em setembro de 1963, foi um desses equívocos.
Na história republicana, o governo Goulart formatou um núcleo de poder expressado no seu ministério, que tinha figuras do nível de San Tiago Dantas, Celso Furtado, Walter Moreira Sales, Hermes Lima, Carvalho Pinto, Evandro Lins e Silva, Ulisses Guimarães, Darcy Ribeiro, Hélio Almeida, Osvaldo Lima Filho, Oliveira Brito, Almino Afonso e outros personagens de igual estatura. Não existia nenhum sindicalista no ministério ou na direção dos conglomerados estatais. A campanha instrumentada da existência de uma república sindicalista fora um dos motes para o golpe de Estado contra o governo Goulart.
Essas reflexões são muito apropriadas para o dia de hoje, quando milhões de brasileiros vão eleger o presidente da República. Getúlio Vargas foi acusado à exaustão de patrocinar um ?mar de lama? de corrupção. João Goulart, dentre outras acusações, era responsável pela criação de uma república sindicalista. A história comprovou a falsidade das duas terríveis imputações àqueles governos democráticos.
No século XXI, neste ano de 2006, enorme parcela de brasileiros comprova que os tempos são outros. Corrupção, nepotismo e mar de lama não são mais fatos motivadores para ferir de morte os governantes de plantão. Numa sociedade mercurial passou a ser fato aceito e normalíssimo para enormes parcelas, que se consideram intelectualmente formadas e privilegiadas. Os sobreviventes de 64 que acusavam uma fictícia república sindicalista, hoje quedam-se em silêncio. O aparelhamento da estrutura do Estado na atualidade não é uma ficção. É realidade.
Não se edifica uma nação perenizando a miséria. Há décadas, o sanfoneiro Luiz Gonzaga cantava: ?Mas doutor uma esmola/para um homem que é são/ou lhe mata de vergonha/ou vicia o cidadão?. Já o papa Paulo VI proclamava que o ?desenvolvimento é o novo nome da paz?. A paz social não se estrutura na caridade assistencialista. Mas no desenvolvimento gerador de trabalho e emprego. Hoje os brasileiros votarão democraticamente. A opção é clara: O Brasil será moderno e desenvolvido? Ou será atrasado, assistencialista e travado no seu desenvolvimento?
Não existe alternativa fora desses parâmetros, para os próximos anos. A decisão soberana é do eleitor.
Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi deputado federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia Brasileira.