continua após a publicidade

Florisvaldo Fier

O Le Monde Diplomatique, em sua edição espanhola do último mês de novembro, traz um dossiê sobre os mercenários. Neste dossiê, Peter Warren Singer informa que a palavra freelance (ou free-lance) vem do original "lanças livres" – os mercenários que, na Idade Média, vendiam seus serviços para os donos dos feudos e os nobres (reis, duques, etc.) da época.

Fui procurar a palavra no dicionário Webster?s de inglês/português, e lá está: "Free-lance: mercenário; independente; trabalhar por tarefa". Será que não existiria uma palavra melhor para ser usada pelos jornalistas que trabalham por tarefa?

continua após a publicidade

São muitos os jornalistas que, segundo eles mesmos, trabalham como freelance. Para alguns deles, cabe a tradução original: mercenário. Porém, há uma grande parte (a maioria) que é honesta. Creio que estes poderiam usar um outro nome para designar suas relações de trabalho, que tampouco poderia ser designada como "independente".

Afinal, a imprensa e o jornalismo independentes constituem algo difícil de ser encontrado, pois a grande maioria dos veículos publica as notícias de acordo com interesses específicos. O jornalista independente é coisa rara. Por isso, creio que também não é o nome adequado para ser usado nas relações de trabalho.

continua após a publicidade

Caberia aos jornalistas definir a palavra adequada para aqueles que trabalham por tarefa, e que esta não seja um derivativo qualquer de freelance, como já vem sendo usada por alguns, como o "frila".

Os derivativos geralmente são piores que os originais, e contribuem muitas vezes para distorcer o português, ou ficam limitados a um setor específico. Outra razão para – os puristas – substituírem a palavra freelance é limpar o português de palavras em inglês que poluem o texto.

Mas volto à intenção inicial deste artigo, que é escrever a respeito do dossiê sobre os mercenários. Segundo o publicado pelo Le Monde, na Guerra do Golfo, em 1991 (primeira vez que os Estados Unidos invadem o Iraque), de cada cem soldados americanos, um era mercenário.

Atualmente, 20% das forças que ocupam o Iraque são formadas por mercenários – inclusive aqueles que foram mortos, trucidados e pendurados na ponte. Nesta atual invasão, um a cada dez é mercenário. Alguns deles chegam a ganhar até mil dólares por dia.

Contratar mercenários (estrangeiros ou não) é tão antigo tanto quanto as guerras, e o contrato feito por empresas (companhias) também não é novo, pois a guerra quase sempre foi terceirizada.

É certo que antigamente, na grande maioria das vezes, era o homem na busca de fama, aventura ou dinheiro que se oferecia para guerrear. Agora, na grande maioria das vezes, são as companhias – terceirizadas – que prestam serviços aos estados. Essas companhias contratam mão-de-obra que, em geral, busca dinheiro.

Escreve Singer que os antigos mercenários, quando acabava o dinheiro ou a guerra, ficavam sem teto e sem trabalho. Nessas condições, muitos se uniam formando "companhias" (de "com pão", em referência ao pão que recebiam), com o objetivo de ser contratados.

Porém, se o contrato demorava a ser conseguido, eles cobriam suas necessidades extorquindo cidades e populações. Parece um pouco com o que ocorre hoje no Iraque, quando, por ocasião da invasão de Bagdá, alguns soldados – mercenários ou não – assaltaram palácios e museus. Mas a prática mercenária é essa mesmo: a extorsão e o roubo.

O roubo pode existir, inclusive, entre o Estado corrupto e as empresas (companhias) terceirizadas. No caso do Iraque, não é diferente, pois uma das companhias de mercenários é a KRB-Halliburton, que até 2000 era dirigida pelo atual vice-presidente dos Estados Unidos, Richard Cheney. A empresa é alvo de acusações de corrupção e superfaturamento que alcançam cifras de milhões de dólares.

Muitas dessas companhias, que, por sua vez, também são mercenárias, contratam soldados e civis – entre os quais jornalistas – para irem à guerra.

Florisvaldo Fier/Dr. Rosinha, médico pediatra, deputado federal (PT-PR), é presidente da Comissão do Mercosul.