O fanatismo na história

Jaime Pinsky/Carla Bassanezi Pinsky

Fanático é um termo cunhado no século XVIII para denominar pessoas que seriam partidárias extremistas, exaltadas e acríticas de uma causa. O grande perigo do fanático consiste na certeza absoluta e incontestável que ele tem a respeito de suas verdades. Detentor de uma verdade supostamente revelada especialmente para ele pelo seu deus, o fanático não tem como aceitar discussões ou questionamentos racionais com relação àquilo que apresenta como sendo seu conhecimento: a origem divina de suas certezas não permite que argumentos apresentados por simples mortais se contraponham a elas.

Pode-se argumentar que as palavras de Hitler ou as de Mao mobilizaram fanáticos tão convictos como os religiosos e não tinham origem divina.

Ora, de certa forma, eles eram cultuados como deuses e suas palavras não podiam ser objeto de contestação, do mesmo modo que ocorre com qualquer conhecimento de origem dogmática. É, portanto, condição do fanático a irracionalidade.

É possível estudar as manifestações de fanatismo na história, inclusive em períodos anteriores à Era Moderna, sem incorrer em anacronismos, se procuramos compreender o fenômeno, lançando mão de uma cuidadosa investigação histórica. Como se sabe, o olhar que despejamos sobre o acontecido é, necessariamente, o de alguém que vive numa determinada época, em um determinado lugar, e é fruto das contingências decorrentes dessas determinações. Nesse sentido, podemos olhar a história e as sociedades a partir da perspectiva do século XXI, ao identificar, em vários contextos, sinais de fanatismo como uma forma de atentado ao que reconhecemos hoje como direitos humanos, uma conquista incorporada ao patrimônio cultural da humanidade, um avanço que, embora localizado na sua origem, adquiriu caráter universal, ou seja, o reconhecimento do direito à vida.

Com essa postura, podemos apontar manifestações de fanatismo baseadas em quatro grandes tipos de justificativas ideológicas adotadas pelos fanáticos: as religiosas, as racistas, as políticas e as "esportivas".

A religião serviu e serve como explicação/pretexto para perseguições, torturas e assassinatos em diversos momentos da história, dos cruzados medievais aos fundamentalistas do século XXI.

O racismo (contra negros, semitas, orientais, etnias minoritárias) provocou e provoca muitas humilhações e derramamento de sangue, tendo chegado ao ponto máximo, em pleno século XX, ao confinar pessoas em campos de extermínio, onde seriam escravizadas, torturadas e mortas, por sua suposta inferioridade racial. As manifestações mais conhecidas de fanatismo racista são as atividades da Ku Klux Klan, do nazismo e do famigerado e atuante neonazismo.

A política foi e é desculpa para inúmeras violências contra opositores, manifestações agressivas de chauvinismo, opressão e terrorismos – a partir de "verdades definitivas" tão diversas como a comunista, a imperial, a libertária, a do "mundo livre", a nacionalista. O fanatismo político é facilmente identificável nos expurgos stalinistas, na ação kamikase, no macartismo, na Revolução Cultural na China e no terror com finalidades políticas.

E torcer no futebol surge como o mais novo fundamento para atitudes anti-sociais e violências, não só contra simpatizantes dos times "inimigos", mas também contra determinados grupos étnicos, mulheres, homossexuais e migrantes. Os hooligans e os membros das torcidas organizadas no Brasil são evidentemente sujeitos fanáticos.

O machismo (misogenia, homofobia) – motivação para violências específicas contra mulheres e homossexuais – aparece no interior de várias formas que assumem as justificaticas acima mencionadas.

Num tempo de perplexidade, em que olhamos para as conquistas da humanidade, por um lado, mas vemos, por outro, os homens exibindo sua face mais cruel, é muito importante analisar as várias das diversas faces que o fanatismo adquiriu ao longo do tempo e em contextos distintos. Numa época de homens-bomba, atentados terroristas, manifestações racistas, ações extremistas, pensar o fanatismo é atual, relevante e urgente.

Jaime Pinsky, historiador e editor, é doutor e livre-docente pela USP, professor titular aposentado da Unicamp, diretor editorial da Editora Contexto.

Carla Bassanezi Pinsky, historiadora, mestre pela USP e doutora pela Unicamp, autora e co-autora de obras como História das Mulheres no Brasil e Faces do Fanatismo (Editora Contexto).