Livros a mãos-cheias

Ivan Schmidt

Enfim uma boa notícia. O presidente sancionou a lei que isenta as editoras do pagamento das contribuições federais PIS/Pasep e Cofins, nas operações de produção, comercialização e distribuição de livros. Segundo o Ministério da Cultura, dentro de três anos o preço dos livros deverá sofrer redução de até 10% (que não é lá grande coisa), mas vai beneficiar muita gente habituada à leitura e estimular muitos outros a entrar por esse maravilhoso caminho.

O próximo passo do governo é anunciar em 2005 o Plano Nacional do Livro e Leitura, que, se emergir do rol de boas intenções para a realidade, tem tudo para ser uma das boas marcas do governo Lula. Com o lançamento de novos selos editoriais, autores consagrados e inéditos a preços atrativos, o governo dará extraordinário empurrão para o avanço do índice de leitura no Brasil, há décadas estacionado no vergonhoso patamar de 1,8 livro/ano por habitante.

Falando em nome do presidente da República, o senador José Sarney, membro da Academia Brasileira de Letras, fez uma sugestão oportuna, qual seja a do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrar na seara aberta pela aprovação da lei, aportando recursos na indústria livreira a fim de alavancar projetos concebidos para dar sustentação ao louvável ideal que é disseminar, especialmente entre os jovens, o hábito de ler.

O grande crítico da literatura Edmund Wilson, em artigo publicado no The Nation, em janeiro de 1938, fez uma profecia: "Os jovens não são entusiastas dos livros hoje em dia: limitam-se a aprovar aqueles que a eles se ajustam politicamente. É uma pena que não aprendam a ler por prazer. Acabariam por perceber que a convivência com as obras de arte e o pensamento é a única segurança que têm contra o crescente barbarismo do nosso tempo".

Wilson escreveu para o ambiente literário dos Estados Unidos e já naquele tempo detectava a pouquíssima atenção que os livros despertavam na juventude. É possível supor que por lá a situação possa até ter mudado, mas no Brasil o que vemos é o permanente e absoluto desinteresse por esse bem cultural. A razão fundamental é o elevadíssimo preço dos livros na ponta da comercialização, embora não se possa fazer vistas grossas à inexistência de estímulo à leitura desde os primeiros anos da formação escolar.

Nesse particular, tenho que agradecer imensamente às minhas professoras do ginásio, Dilma Livramento e Albertina Ramos da Silva, que lecionavam português e história do Brasil nos idos de 50, pelo constante apelo à leitura dos volumes do velho e benfazejo Clube do Livro, disponíveis na biblioteca da escola. Foi então que descobri o prazer incontido e até hoje não saciado de conhecer gênios como Machado de Assis, José de Alencar, Eça de Queiroz e tantos outros.

O Banco do Brasil vai gastar um bom dinheiro numa campanha publicitária para exaltar os valores brasileiros. Que bom seria se algum dia viesse também uma campanha de incentivo à leitura, de valorização dos autores nacionais, sobretudo daqueles que não têm a menor condição de disputar uma fatia de espaço, por menor que seja, embora tenham méritos literários de sobejo, nessa indústria poderosa que só está aberta aos medalhões. Uma política pública de incentivo às produções literárias, históricas e biográficas (que não viesse a servir de escoadouro a favorecimentos de nenhuma espécie), faria muito para colocar o atual governo em patamar invejável. Isso tudo acompanhado da alocação desses livros em bibliotecas escolares e comunitárias, ou pela comercialização a baixo custo.

O que se precisa é de autêntica política de popularização do livro e da leitura, para que a cultura não permaneça estagnada em círculos cada vez mais elitizados, e a massa consiga ao menos expressar-se em seu próprio idioma, ter discernimento para espanar os estrangeirismos impertinentes e evitar como praga deletéria a enxurrada de subliteratura que escoa nos códigos disso e daquilo, nas bruxarias infantis, na auto-ajuda dos próprios autores ou na recorrente crônica da vida de faraós, cruzados, espadachins e xamãs.

Além do futebol, carnaval, violência urbana, prostituição infantil, tudo bem, das nossas belíssimas praias, o Brasil ficaria também conhecido pela cultura de seu povo.

Ivan Schmidt é jornalista.