Brincando de fazer de conta

Clóvis Borges

Já não é novidade para os paranaenses a ocorrência de desastres ambientais de grande amplitude. É triste a constatação de que estamos sendo submetidos a riscos cada vez maiores e que, independentemente de frações de tempo maiores ou menores, novos acidentes ocorrerão. Com eles, perderemos cada vez mais espaços na luta pela conservação da natureza, com impactos sociais e econômicos severos, agregados ao mesmo processo.

Temos sido muito competentes em justificar as razões para a implantação de estruturas de alto risco ambiental no município de Paranaguá nas últimas décadas. De nada adiantaram os alertas de entidades ambientalistas sobre a insensatez de se colocar em xeque nossas últimas áreas mais bem preservadas. Por conseqüência, verdadeiras bombas-relógio estão em plena atividade. Algum dia, sem qualquer aviso, essas estruturas vão mostrar toda sua capacidade de destruição. O exemplo do Vicuña no terminal da empresa Cattalini representa apenas uma fração do que potencialmente pode vir a ocorrer. E vai ocorrer, bastando apenas que o tempo passe e a fatalidade, mais uma vez, se faça presente.

Mas se os riscos são tão grandes, como é que esses empreendimentos são aprovados pelo poder público? E como conseguem entrar em operação sem os devidos cuidados para que, na eventualidade de um acidente, haja pronta resposta no sentido de se mitigar seus impactos ao máximo? Fica evidente a existência de uma apatia de vários setores da sociedade em cobrar e cumprir as regras do jogo, que existem e são até bastante rigorosas.

O comportamento dessas empresas implica, em última instância, numa aposta insensata. Um contrato de risco no qual a maioria dos envolvidos, ou seja, a população, participa do ônus sem nenhuma possibilidade de influência direta. Aposta-se na improbabilidade de algo de muito errado acontecer, evitando-se despesas "desnecessárias" e garantindo-se mais lucro no curto prazo. Um acidente é tão improvável que não precisa ser considerado com a seriedade devida.

Para que dar ouvidos aos ambientalistas radicais, que não são sensíveis aos interesses econômicos dessas corporações e se posicionam sem ter nenhuma sensibilidade com a viabilidade desses empreendimentos? Para que cumprir a lei e providenciar os estudos, os equipamentos e o trabalho de treinamento e articulação para a eventualidade que nunca vai ocorrer? Melhor não investir, uma vez que os órgãos que deveriam cobrar esses procedimentos vivem sem qualquer estrutura para fazer com que a obrigação seja imposta. Não raro, pressões políticas são direcionadas ao afrouxamento e não ao rigor, ao enfraquecimento de quem fiscaliza e não ao cumprimento das normas de quem é responsável por esses empreendimentos.

Se quisermos avaliar a qualidade dos planos de contingência – que estabelecem os procedimentos obrigatórios no caso de desastres – basta ouvir os relatos dos que estiveram presentes nos primeiros encontros entre os envolvidos neste último evento. Não há como se esconder uma lamentável realidade. A despeito do voluntarismo e de demonstrações de boa vontade, o entrosamento entre os atores não é pré-acordado, gastando-se tempo não disponível com discussões ridículas, a começar para se definir uma hierarquia de comando. Pessoal capacitado para dar atendimento a todas as frentes não existe, muito menos o equipamento necessário. As comunidades envolvidas não têm a menor idéia de como agir numa situação de emergência. Impossível enquadrá-las em cima da hora. É um caos que permite que fique expressa nossa total incompetência em reações de curto prazo.

Esse estado de coisas não pode passar despercebido. É um crime continuarmos a fazer de conta que a segurança ambiental está presente no Porto de Paranaguá e seus agregados de alto risco. Não há nada mais pernicioso num momento assim do que a demagogia associada ao desrespeito à lei e ao conhecimento técnico. E é exatamente isso que ocorre nos períodos pós-catástrofes ambientais. Interessa à maioria minimizar o real impacto desses eventos e, quando possível, transformá-los em multas que nunca retornam para a busca de melhores condições em novos casos. Os impactos ambientais, malmedidos, acabam sendo ignorados em sua maior parte.

Multas não resolvem nada. O impedimento das atividades de quem não está cumprindo a legislação, por outro lado, resolve muito. Essas empresas não poderiam estar operando sem planos de contingência de qualidade aceitável e, portanto, deveriam ter suas atividades imediatamente paralisadas. Ou não aprendemos a lição outra vez? Quando o novo desastre vai ocorrer? Amanhã ou daqui a 30 anos? Não importa. Há investimento a ser realizado em prevenção. E não é pouco. Sem isso, continuamos com a visão medíocre de quem negligencia e depois se lamenta – além de prejudicar violentamente a terceiros e ao meio ambiente.

Onde estão os planos de contingência do porto, da Fospar, da Transpetro, da Cattalini e de outras empresas instaladas em Paranaguá? Se havia bons planos, por que não foram utilizados? Por que não houve qualidade suficiente para se agir em tempo hábil, gerando uma contaminação sem precedentes em praticamente toda a costa de nosso litoral norte?

Não deve haver mais flexibilidade frente a posições tão irresponsáveis quanto essas. Espera-se austeridade do poder público, maior mobilização da sociedade civil organizada e disposição real de mudança de quem explora o litoral com atividades que o estão destruindo. O dia que nunca se esperava acaba de acontecer. Que paguem os que não fizeram sua parte. Com juros e correção.

Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).