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Caio Túlio Costa

A abertura de arquivos está na ordem do dia, mesmo a contragosto dos mais fervorosos cumpridores de ordens do dia. Ao largo dessa discussão trabalha-se pela recuperação de um outro tipo de arquivo, aquele que não ficou escondido nem por razões de Estado nem por birra de militares, arquivos capazes de compor a memória do movimento estudantil brasileiro.

Projeto encabeçado pela UNE e pela Fundação Roberto Marinho (quem apostaria que essas instituições acabariam dando as mãos, hein?) pretende recolher toda a documentação esquecida, escondida ou bem guardada – fruto da militância e vivência naquela idade em que tudo é possível.

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Um forte apelo de mídia solicita a todos os detentores de documentos relativos ao movimento estudantil – fotos, panfletos, faixas, cartas, bilhetes, relatórios, relatos de assembléias, bonés, camisetas – que os enviem ao Museu da República, no Rio, para depois formarem o acervo permanente na UNE. Em paralelo, continua mofando nos arquivos federais a documentação das estripulias estudantis que escapou à destruição covarde dos arapongas e dos militares.

A rigor, já se encontra aberta parte da documentação oficial, a dos arquivos da polícia política paulista e da carioca. As autoridades estaduais não tiveram os pruridos das autoridades federais. Nada mais tranqüilo, portanto, do que liberar todos os arquivos federais. Todos.

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Esse projeto de memória do movimento estudantil fez mais. Primeiro, procurou os líderes históricos e colheu seus depoimentos. Segundo, reuniu historiadores, sociólogos e ex-militantes em workshop no Rio de Janeiro e depois num seminário no Tuca, o histórico teatro da PUC de São Paulo, palco de grandes manifestações e de pancadarias – como no congresso de reconstrução da UNE, em 1977, quando foi invadido pela polícia.

Pancadaria não é o que falta nessa história. Organizados sob a bandeira da UNE (nascida em agosto de 1937), os estudantes brasileiros têm tido participações legítimas na construção da democracia. Apanharam, mas realizaram.

E qual seria a relevância do movimento estudantil? É um movimento social ou apenas um mito que acabou "sacralizado"? Tem história própria? Para a professora Maria Aparecida de Aquino, que esteve à frente da indexação dos arquivos do DOPS, essa história pode ser dividida em três fases:

Primeiro a fase Nacionalista, do início do século XX até 1968. Basta lembrar a força estudantil no mote "O petróleo é nosso", de 1947, no apoio à posse de João Goulart, ou então nos enfrentamentos contra a ditadura militar cujo auge se deu em 1968 com a passeata dos Cem Mil – e parece que não havia cem mil em passeata…

A segunda vai de 1968 a 1979, considerada por Aquino a fase Revolucionária, quando a aspiração das lideranças era a de criar um governo socialista. Muitos estudantes – os que não estavam no exílio nem tinham sido assassinados pela ditadura – participaram da guerrilha urbana ou rural. Período brutal finalizado com a anistia – campanha também impulsionada pelos estudantes.

A terceira parte começou em 1974 e pode ser demarcada até a campanha pelas eleições diretas, em 1984, ou até a derrubada do governo Collor, em 1991. É fase Democratizante. Voto direto para presidente. Caras pintadas.

E de lá para cá? Desnorteados? Ou seja, sem norte?

Uma UNE que volta a falar em Projeto Rondon (joinha dos militares durante a ditadura, o programa remetia universitários para ajudar em áreas carentes – movimento vigorosamente boicotado pelas lideranças estudantis da época) e engole essa denominação carimbada pelo regime de exceção, mesmo que seja um projeto "irado", tem norte?

Mais: no que esse material histórico e analítico pode ajudar o estudantado de agora? Quais seriam as perspectivas para a pequenina juventude engajada, que vive uma realidade multifacetada, polifônica, poliárquica, dominada pela assimetria na informação e, ainda por cima (e por sorte), sem um inimigo claro e comum?

Com os estudantes, a palavra, ou melhor, a ação.

Caio Túlio Costa é jornalista, autor de Cale-se (Ed. A Girafa), livro sobre o movimento estudantil, presidente do Instituto DNA Brasil, professor de Ética Jornalística na Faculdade Cásper Líbero e consultor do Projeto Memória do Movimento Estudantil.