A Previdência e os municípios

Álvaro Sólon de França

O debate sobre o sistema previdenciário brasileiro, mesmo tendo despertado a atenção de toda a nação, devido à importância do tema, ainda assim deixou de fora aspectos reveladores da magnitude de uma estrutura que precisa ser cada vez mais aperfeiçoada, em benefício de toda a sociedade brasileira. Entre esses aspectos desconhecidos há um que se mostrou extremamente relevante, após extensa pesquisa que tivemos a oportunidade de realizar, com base nos dados de 2003: em 3.773 dos 5.561 municípios brasileiros avaliados (67,85%), o volume de pagamento de benefícios previdenciários efetuados pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social supera o FPM – Fundo de Participação dos Municípios. Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, o maior volume de pagamento de benefícios previdenciários em relação ao FPM não é um fenômeno estritamente nordestino. Os percentuais também são expressivos na região Sudeste. No Rio de Janeiro, em 81 dos 92 municípios os benefícios previdenciários superam o FPM, o que representa 91,30%; no Espírito Santo isso se verifica em 74 dos 78 municípios (94,87%); em Minas Gerais em 585 dos 853 municípios (68,58%) e em São Paulo em 519 dos 645 municípios (80,47%). Na região Sul o maior percentual está no Paraná: de 399 municípios, 305 convivem com essa realidade, ou 76,44%. Em Santa Catarina é de 212 (72,35%) para o total de 293 municípios, e, finalmente, no Rio Grande do Sul, 323 dos 497 municípios (portanto, 65,19%) registram maior pagamento de benefícios previdenciários em relação ao FPM. Na região Nordeste o recorde fica com Pernambuco (86,49%), onde em 160 dos 185 municípios o pagamento de benefícios é superior ao FPM. Já o segundo lugar fica com a Bahia (78,42%), onde em 327 dos 417 municípios o pagamento de benefícios é superior ao FPM. Estes dados são altamente representativos de uma realidade que não pode ser ignorada: a Previdência Social reduz as desigualdades sociais e exerce uma influência extraordinária na economia de um incontável número de municípios brasileiros. E há ainda outro aspecto que não pode deixar de ser mencionado: o número de municípios que se encaixa nessa condição somente não é maior, proporcionalmente falando, devido à verdadeira explosão da criação de municípios no Brasil, sendo que em centena deles não existe ainda sequer fonte pagadora do INSS.

Embora tão enxovalhada por críticas, muitas delas injustas, a Previdência pode tranqüilamente ostentar a posição heróica de âncora social, num cenário de profundas desigualdades sociais, como o que experimentamos em nosso País. É ela quem fixa as pessoas em seus municípios de origem, evitando o êxodo principalmente para as grandes cidades, onde levas de imigrantes inchariam ainda mais as favelas superpovoadas. Muitos aposentados e pensionistas figuram como elementos de sustentação social, não por ganharem bem, mas por garantirem, com suas modestas aposentadorias, o sustento de suas famílias. É o que acontece, por exemplo, com os trabalhadores rurais. Explorados, durante décadas, nas fazendas por ganhos sazonais, muitas vezes, em torno de R$ 80,00 mensais, eles têm sua renda triplicada quando passam a receber os benefícios a que fazem jus, após a aposentadoria rural. E quando se aposentam, eles não apenas aumentam consideravelmente sua renda, como passam a receber em dia.

Há uma particularidade da qual poucos têm conhecimento: em mais de 83,50% dos municípios brasileiros o pagamento de benefícios é superior à arrecadação previdenciária no próprio município, o que nos remete à evidente conclusão de que a capacidade distributiva da Previdência se verifica ainda mais acentuada. É o caso, por exemplo, de Presidente Sarney (MA), onde a arrecadação previdenciária é de R$ 4.762,98 e o pagamento de benefícios soma R$ 626.243,84, ou seja, seriam necessários 131,48 anos de arrecadação previdenciária para pagar um ano de benefícios. Outros exemplos: Lagoa Alegre (PI), com arrecadação de R$ 15.448,95 e pagamento de benefícios de R$ 1.657.523,03 (107,29 vezes maior); Inhapi (AL), com arrecadação de R$ 41.398,43 e pagamento de benefícios de R$ 3.451.889,96 (83,38 vezes maior); São João do Caru (MA), com arrecadação de R$ 20.464,03 e pagamento de benefícios de R$ 1.642.909,00 (80,28 vezes maior); Serra do Ramalho (BA), com arrecadação de R$ 117.224,34 e pagamento de benefícios de R$ 9.137.155,37 (77,94 vezes maior), e São Julião (PI) com arrecadação de R$ 38.859,48 e pagamento de benefícios de R$ 2.789.745,69 (71,79 vezes maior).

Entre os anos de 1988 e 2003, a quantidade de benefícios pagos pela Previdência Social aumentou 87,93%, passando de 11,6 milhões para 21,8 milhões de beneficiários. Segundo o IBGE, para cada beneficiário da Previdência Social há, em média, 2,5 pessoas beneficiadas indiretamente. Assim, em 2003, a Previdência beneficiou 76,3 milhões de pessoas, ou seja, 43% da população brasileira. Entre 1992 e 1999, a renda per capita dos domicílios que têm beneficiários da Previdência subiu cerca de 30%, enquanto a renda per capita média dos domicílios que não recebem nenhum benefício previdenciário apresentou um incremento de 23%. Nos domicílios beneficiados pela Previdência a renda é 32,5% maior do que a média nacional e 54% maior do que a renda dos domicílios que não são beneficiados. Em 1999, 34% dos brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza (linha de pobreza = R$ 98,00). Se não fosse a Previdência, esse percentual seria de 45,3%, ou seja, a Previdência foi responsável por uma redução de 11,3% no nível de pobreza, o que significa que 18,1 milhões de pessoas deixaram de ficar abaixo da linha de pobreza. Os dados aqui retratados demonstram, de maneira insofismável, que a Previdência Social está cumprindo o seu papel no resgate da dignidade humana e na solidificação da estabilidade social em milhares de municípios que, muitas vezes, não fazem parte do mapa de preocupações das "elites pensantes" do nosso País. A Previdência Social não é propriedade do governo, nem dos partidos da base de sustentação do governo, nem dos partidos de oposição. Pertence à sociedade brasileira. Destarte, conclamamos toda a sociedade brasileira para que nos ajude a aperfeiçoá-la, tornando-a cada vez mais universal, pública e eficaz.

Álvaro Sólon de França é auditor fiscal da Previdência Social. alvarosolon@uol.com.br