A lei e a cirurgia plástica

Rodrigo Tubino Veloso/Daniela Francisca Mocivuna

Não há como negar que a relação médico/paciente teve e continua apresentando, ao longo dos tempos, profundas modificações, conseqüências lógicas das intensas transformações socioeconômicas, principalmente no que toca à globalização, ao crescimento dos mercados e à massificação das relações sociais. Como bem observa Ruy Rosado de Aguiar Jr. (Responsabilidade civil do médico, RT 718/33), "durante muitos séculos, a função esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte (…). O ato médico se resumia na relação entre uma confiança (a do cliente) e uma consciência (a do médico). As circunstâncias hoje estão mudadas. As relações sociais massificaram-se, distanciando o médico de seu paciente. A própria denominação dos sujeitos da relação foi alterada, passando para usuário e prestador de serviços, tudo visto sob a ótica de uma sociedade de consumo, cada vez mais consciente de seus direitos, reais ou fictícios, e mais exigente quanto aos resultados".

Na esteira dessa transformação, a atividade médica, cuja função quase única era promover a cura de doenças, passou também a ser utilizada como instrumento puramente estético, nas ditas cirurgias plásticas embelezadoras. Não só a saúde passou a ser objeto da medicina, mas também a realização de sonhos e anseios subjetivos dos pacientes, por meio da alteração de suas características físicas.

Essa circunstância levou a um formidável incremento e popularização da cirurgia puramente estética, com importantes reflexos na responsabilidade civil médica. Tradicionalmente, a responsabilidade civil médica é subjetiva, isto é, decorre da ação direta e pessoal do profissional efetivada com negligência, imprudência ou imperícia, elementos que caracterizam a culpa conforme a legislação civil.

Isso, porque a doutrina clássica reconhece as obrigações assumidas pelo médico no exercício de sua função como "obrigações de meio", ou seja, o profissional não está vinculado a um resultado positivo a partir de sua atuação, limitando-se, no campo obrigacional, a dedicar diligência e boa técnica exigidas para o bom atendimento do paciente, conjugadas com o seu grau de especialização e os recursos materiais disponíveis.

No caso da atividade médica na cirurgia plástica puramente embelezadora, há expressiva corrente a defender, pelas características peculiares da intervenção e modo massificado como os serviços vêm sendo ofertados ao público, que o médico está vinculado a uma obrigação de resultado. Ou seja, se a intervenção não obtém o resultado esperado, estaria configurado o descumprimento do contrato entre médico e paciente, com a responsabilização do primeiro, independentemente da ocorrência de culpa.

Muito embora a questão ainda esteja em aberto, já há tendência jurisprudencial no sentido de inserir a obrigação do médico na cirurgia plástica estética numa posição intermediária. Nesse norte, há uma importante decisão do Superior Tribunal de Justiça (Ag.Rg. no AI n.º 37.060-9-RS, ac. 28.11.1994), que assim dispôs: "O profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando a melhorar a aparência física do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos".

Como bem assinalado, cabe ao cirurgião a avaliação dos riscos, sendo fundamental que estes sejam informados de forma inteligível e abrangente ao paciente. Daí a importância do denominado "termo de consentimento informado ou esclarecido", documento no qual o médico descreve ao paciente de forma simples e objetiva o procedimento ao qual será submetido e esclarece os riscos e contingências possíveis. Com isso, o paciente opta de forma consciente pela cirurgia, livre de ilusões e com conhecimento da natureza e dos riscos dos serviços que lhe foram ofertados, o que minimiza, certamente, a possibilidade de contenda posterior, salvo ocorrência de ato culposo do profissional.

Outro ponto que merece atenção, de forma a minimizar a responsabilidade civil médica, é o modo como o serviço é ofertado ao público. É importante observar que, se na ocasião da oferta, houver promessa expressa de resultado por parte do médico, há vinculação obrigacional com o que fora prometido, conforme preconizado pelo Código de Defesa do Consumidor, diploma legal aplicável à atividade médica.

Em conclusão, a adoção sistemática dos procedimentos acima sugeridos agrega transparência e qualidade na comunicação entre médico e paciente e, sem dúvida, é um passo importante visando controle do crescente número de litígios relacionados à cirurgia plástica meramente estética.

Rodrigo Tubino Veloso e Daniela Francisca Mocivuna são advogados.