2006 e a conjunção “se”

Gaudêncio Torquato

Ninguém é imbatível. Esta assertiva, uma das mais recorrentes na política, já começa a ser usada para abrir conversa sobre os horizontes eleitorais de 2006. Lembrada pelo ex-presidente Fernando Henrique a respeito das dificuldades que Lula terá para se reeleger, caso não tenha êxito com programas para as áreas sociais, mais que tentativa de fazer prognóstico sobre possibilidades, revela a satisfação dos tucanos com um desempenho governamental a que se podem atribuir os conceitos de continuísta em matéria econômica, desigual em ações administrativas, pouco inovador e dispersivo na área social, tenso nas relações com o Congresso e, arrematando o retrato, confuso sobre o que fazer para fixar uma identidade. Tivesse o governo ótima avaliação nesses quase dois anos de administração, as condições eleitorais de 2006 só passariam a ser examinadas lá para finais de 2005. Mas a próxima eleição presidencial já começa a ganhar projeções e a gerar movimentos, como o de grandes siglas que procuram novos rumos.

A verdade é que a reeleição de Lula já chegou a bater, há alguns meses, índices altíssimos de crença, algo entre 70% e 80% de possibilidades. Hoje, termômetros de medição de clima político, que medem a temperatura das circunstâncias, não lhe dão mais que 50% a 60%. Ao lado de resultados eleitorais negativos em praças estratégicas, o governo do PT enfrenta a síndrome da rotinite, essa doença que se manifesta pela completa ausência de novidades no corpo administrativo. Nem mesmo troca de ministros ou saída de quadros da alta administração (nove altos assessores em 15 dias) causam impacto. Quando uma administração teve tempo suficiente para exprimir o estilo e começa a entrar em modorra, os efeitos da mesmice sobre a população se manifestam na forma de distanciamento psicológico, uma espécie de beijo da morte. Não se pretende dizer que a curva descendente onde está o governo do PT não se pode transformar novamente em reta ascendente. Tudo vai depender da equação de viabilidade estratégica do governo, que se compõe da combinação de peças nos campos político, econômico, organizativo e cognitivo. Cada campo abriga uma razoável quantidade da conjunção "se".

A eficácia geral do governo implica diminuir vulnerabilidade e expandir força. No campo político, por exemplo, o primeiro "se" está voltado para a capacidade do PT em reunir as facções internas num mesmo espaço. Hoje, estão segregadas. Em segundo lugar, o governo há de ampliar e consolidar a base política de apoios. Se conseguir tal feito, as relações com o Congresso permitirão aprovação massiva de matérias do interesse do Executivo. A medida das dificuldades será o tempo. Quanto mais próximo o pleito, maior será o preço a ser cobrado pelo corpo político. Matérias de interesse central ganharão um plus na balança das cobranças. (A paralisia que tomou conta da Câmara dos Deputados, por três meses, é pequena mostra das dificuldades.) E, se a taxa de desgaste governamental for alta, o custo político subirá às alturas. Nesse ponto, aparece a segunda bateria de poréns. Preços superfaturados na área política acabarão criando rombos nos cofres da economia. Rombos que dificilmente poderão ser contidos, se (lá vem a conjunção de novo) a vulnerabilidade externa do País aumentar, a partir da emergência de alguma crise exógena. A solução da equação econômica passa por contas dos juros, saldos de exportação/importação, eventuais saltos na inflação e débitos de estados e municípios.

Na área organizativa, o "se" conjuntivo se volta para o choque de credibilidade. Ou seja, trata-se do desafio do governo para encontrar uma alavanca capaz de mover a área social, por meio de programas impactantes, mudança de pessoas, perfis gerenciais mais completos. A administração precisa mostrar serviço. Os programas Fome Zero, Bolsa Escola, Bolsa Família e outros, se continuarem frouxos e criando polêmica (corrupção, desvios), afundarão a imagem governamental. No meio social, urge resgatar a confiança de conjuntos organizados que extravasam insatisfação. Mais que esmolas, tais segmentos buscam reencontrar valores republicanos, a partir da ética, do respeito, do zelo pela coisa pública e da solidariedade. Serão cobrados serviços mais eficientes, a partir da segurança e da saúde. Haverá recursos para tapar tantos buracos em tão pouco tempo? Se não conseguir diferencial nessas áreas, o PT acabará apagando os últimos vestígios de uma imagem fincada no terreno social. E se as demandas forem atendidas de maneira tênue, também não farão muita diferença. O discurso rouco de Lula soará como grunhido no vazio social.

O último "se" é o do apelo ao sistema cognitivo da sociedade. Nesse caso, a exigência será a de uma comunicação séria, real, objetiva. Há tempos que a embalagem do "pacote petista" procura encantar a sociedade com as cores de uma ética exclusivista, identificadora de um partido que tanto entoou o ideário da honestidade, da liberdade e da justiça. Caiu a máscara. Reis e ícones do PT são agora expostos em sua nudez, exibindo corpos tão disformes e putrefatos quanto outros. O povo cansou-se de encenação bombástica e de promessas que se tornam tão inócuas quanto autofágicas, principalmente quando confrontadas com a torrente de escândalos atingindo quadros petistas.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautor@gtmarketing.com.br