Diagnóstico apressado

A dimensão da catástrofe que acometeu a região serrana do Rio de Janeiro, apesar de recorrente, surpreendeu. Tenho assistido à banalização sistemática do diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático – TEPT.

Estudos indicam que uma em cada quatro pessoas submetidas a catástrofes desenvolve o transtorno nos meses e anos posteriores ao evento. Porém, efetuar tão complicado diagnóstico durante o pronto atendimento ou nos abrigos improvisados, nos dias em que o desastre ainda está acontecendo, parece-me leviandade.

A TEPT faz parte do grupo dos transtornos psiquiátricos predominante na população em geral. Especificamente, está relacionado à existência de um evento/trauma, de grande relevância na percepção subjetiva do paciente, e que no passado, o expôs a uma situação real de ameaça.

Esse evento pode, sim, ser exemplificado por deslizamentos e enchentes como as que ocorreram no estado do Rio. Entretanto, a pessoa com TEPT, sofre por meio de persistentes visões em flashback da situação traumática que viveu, e pode apresentar insensibilidade e reação comportamental incompatível, em situações que não representam perigo real após meses e/ou anos após a ocorrência do trauma. Ou seja, uma pessoa que teve a infelicidade de vivenciar o desastre poderá, no futuro, relembrar a situação dramática que enfrentou e reagir emocionalmente durante um simples dia de chuva.

Ao analisar os pacientes é possível verificar que há correspondência entre as suas reações comportamentais e emocionais, e os estímulos externos que recebe. Ou seja: lugares, clima, contexto, pessoas. E nessa condição, conforme a semelhança que a percepção subjetiva do paciente interprete em uma situação, ela poderá desencadear a mesma reação, emocional e física, vivenciada no momento do trauma.

Qualquer pessoa saudável tem o direito de se sentir emocionalmente desestabilizada, por determinado período, quando submetida às consequências de uma catástrofe. Se viveu a experiência de perder familiares e/ou amigos, a própria casa e referências de vida, ficou exposta ao perigo de morte, fome e desabrigo, não deve ser diagnosticada como afligida em saúde mental.

Faço parte de uma corrente de pensamento, que não se satisfaz em buscar exclusivamente na pessoa afetada pela catástrofe e exposta a tão desorientadora realidade, a desordem de ordem psíquica que possa ser qualificada como doença; nem tampouco em aguardar que esse estresse emocional, temporário, evolua para o real quadro de desajuste e adoecimento. Aí sim, poderá ser TEPT.

Partilho da proposta do psiquiatra Moty Benyakar, ao admitir o diagnóstico diferencial de Transtorno por Disrupção, onde se incluem os quadros depressivos. E defendo o direcionamento: oferecer atendimento assistencial continuado às populações afetadas por catástrofes, durante os anos seguintes ao evento, com o objetivo de prevenir o desenvolvimento de adoecimento.