Uma mão lava a outra, ou não!

Quando chegou mais perto, percebi com assombro que o “embrulho” era uma luva de couro cru. Seu Juarez exibia a mão direita com a luva todo sorridente. Eu perguntei por que usar luva só em uma mão e com um calor daqueles? A resposta foi surpreendente: “Esta aqui é a mão para cumprimentar políticos”, disse com ar matreiro.

Tive que admitir que a piada era boa. Seu Juarez disse que apenas dois candidatos seguraram a sua mão com a luva, mas não revelou quem eram os tais. Os outros riram e preferiram só acenar para ele.

De uns tempos para cá, Seu Juarez anda com ojeriza de política, mas ao mesmo tempo está muito preocupado com a disseminação de doenças. Dengue, Ebola, Febre Chikingunya estão por aí e assustam qualquer um, ainda mais o alarmado Seu Juarez.

No trajeto para o restaurante, Seu Juarez tirou a luva e deixou de bancar Michael Jackson. Se bem que para o meu alívio a luva que ele usava não era bordada com cristais Swarovski como a do Rei do Pop. No restaurante, Seu Juarez quis logo lavar as mãos. Eu não consegui escapar de lavar as minhas, mesmo argumentando que havia acabado de fazer isso.

Na fila do buffet, tive a confirmação de que a neura do Seu Juarez estava passando dos limites. Um amigo (cujo nome prefiro não revelar), estava no restaurante e veio me cumprimentar. Como de hábito quando estou com outra pessoa, apresentei-o ao Seu Juarez. O cidadão todo cordial estendeu a mão e disse: “Muito prazer”. Seu Juarez respondeu ao cumprimento, mas deixou o cara com a mão no ar e cometeu um sincericídio: “Pode ir recolhendo esta mão porque eu acabei de lavar as minhas e desinfetei com álcool”, disse. O amigo pediu desculpas e desistiu do cumprimento e eu fiquei com cara de tacho.

Seu Juarez pelo visto achava que não tinha dito nada demais. Sentou-se à mesa e tratou de “bater” o prato. Entre uma garfada e outra, ele contou histórias divertidas de pescarias. Eu ouvia e ficava pensando se aquele temperamento meio bipolar era coisa da idade, porque eu não quero ficar assim quando envelhecer.

A mania dele por higiene me trouxe à memória uma entrevista que li este ano com a diretora do Centro de Informação sobre a Água em Paris, Marylis Macé. A reportagem abordava a fama de sujos dos franceses. A matéria citava que o cheiro do metrô de Paris denuncia que o pessoal ali não é muito chegado a um banho. E de fato, uma pesquisa feita por um instituto francês aponta que apenas 20% da população toma banho a cada dois dias e 3,5% se lava apenas no fim de semana.

Segundo Marylis Macé, os franceses brigaram com a água por razões históricas. Na Antiguidade, os romanos difundiram as termas aos europeus, as famosas casas de banho. Mas na Idade Média, a Igreja Católica mandou fechá-las, já que quase todas as termas eram frequentadas por homens e mulheres e consideradas locais de prostituição.

Como exagero pouco é bobagem, incutiu-se na cabeça das pessoas que o banho nu era um incentivo à masturbação, assim também como mergulhar o corpo nu na água era tido como atitude pagã. A França só fez as pazes com a água a partir de 1850, depois que foi assolada com uma epidemia de Cólera.

Atualmente, a relação deles com a água continua meio estremecida porque só 20% dos franceses lavam as mãos antes das refeições e maioria vai ao banheiro e não faz o pit stop obrigatório na torneira. Na entrevista Marylis Macé conta que esteve recentemente no Brasil e ficou maravilhada com a noção de higiene da popula,ção, mesmo nas camadas mais pobres. Ela até comentou: “São os franceses que se lavam pouco ou os outros que se lavam muito?”.

Preferi não levar o dilema dos franceses para o Seu Juarez. Pensei em me despedir dele como fazem os povos do Sul da Ásia, juntando as mãos e inclinando a cabeça, sem esquecer-se do “Namastê”, mas achei que soaria como deboche. À sua maneira, Seu Juarez resolveu a situação. Já com a luva na mão direita, prestou continência e disse: “Até qualquer dia!”.