O profeta das estrelas fugiu da entrevista

Era nossa vez de escrever uma matéria para o jornalzinho da escola. Sirlene estava empolgada. Éramos crianças e pela primeira vez fomos incumbidos de fazer tarefas de adultos e ainda por cima de uma profissão tão glamourosa. Doce ilusão daqueles tempos.  O pai de Sirlene havia convencido um conhecido, chamado Wenceslau para ser entrevistado e no dia marcado ele nos levou de carro até a casa do cidadão. Foi muita sorte ter conseguido a carona.

Primeiro porque Wenceslau morava isolado, num local de difícil acesso, no topo de uma ladeira. E segundo porque o homem deu o bolo na gente. O pai de Sirlene bateu muitas vezes na porta, mas ninguém apareceu. Depois de muita insistência, olhamos pela janela do que parecia ser a sala. Pela fresta da cortina dava para ver que casa não tinha móveis convencionais. Havia bancadas com peças e coisas desmontadas, num canto dava para ver um estranho aparelho em formato que parecia ser o de uma colmeia gigante.

O pai de Sirlene tratou de tirar a gente logo dali. Sentei no carro e vim calado no trajeto de volta, pensando o que tinha sido aquilo. Um adulto irresponsável que se esqueceu do compromisso com a gente e ainda por cima com uma casa em franca desordem.

O pai de Sirlene tratou de tranquilizar a pequena dupla. “Não se preocupem! Vou arranjar outro entrevistado para vocês”. Ficamos na casa de Sirlene, enquanto o pai dela foi falar com seu Valdomiro da Oficina de Música. Ele havia consertado o órgão centenário da igreja, o que renderia com certeza uma boa matéria.

Embora o problema estivesse quase resolvido, estava intrigado sobre Wenceslau. Quis saber de onde a família dela o conhecia e qual seria a razão do seu sumiço. “Você não sabe nem a metade”, disse a matreira Sirlene. Segundo ela, Wenceslau era meio arredio às pessoas, mas apesar da esquisitice o homem tinha um conhecimento fora do comum. “Em que?”, perguntei. Ela explicou que ele havia consertado o rádio que tinha sido do avô dela. Aliás, foi assim que Wenceslau e o pai dela haviam se conhecido.

Eu achava bacana saber consertar coisas, mas notei um certo exagero em atribuir tanta reputação a Wenceslau só por aquilo. Foi aí que Sirlene abriu o jogo: “Preste atenção, ele montou sozinho uma estação de TV”, advertiu. Bom, aí a coisa mudou de figura. Ninguém sabia de onde Wenceslau tinha adquirido tamanho conhecimento, já que era um homem simples e pelo que constava sem nenhum estudo.

E Sirlene se empenhava nos detalhes. Contou que durante o processo de instalação da emissora de TV, eventos estranhos aconteceram. Em algumas situações Wenceslau sumia e quando voltava dizia que estava conversando com seus “amigos”. O local era um grande descampado e não havia viva alma num raio de 30 quilômetros. Outra coisa estranha foi ele aparecer com umas pedras de formato esquisito, dizendo que havia ganhado de presente. Segundo Sirlene, as ditas pedras foram analisadas em laboratório e foi constatado que não era material terrestre.

Fiquei impressionado como aquela menina sabia de tanta coisa. “E o que aconteceu com as pedras”, perguntei. Sirlene disse que Wenceslau desenvolveu uma doença de tanto segurá-las s e perdeu dois dedos na mão direita, o polegar e o indicador.

Quando ela falou isso, eu atalhei: “Pedras que decepam dedos?”. Sirlene fez cara de contrariada. “É que eu não posso dizer como sei de tudo isso”, resmungou. Depois me fez prometer que não contaria para ninguém. Foi até quarto dos seus pais e após alguns minutos voltou com uma revista nas mãos.

Era um exemplar da revista Manchete. Havia uma foto enorme de um homem, que Sirlene garantiu ser o Wenceslau, ostentando um sorriso sereno e trajando vestes brancas, no estilo dos sacerdotes romanos. As pedras também estavam retratadas ali, acondicionadas em caixas de vidro. Na mão direita faltavam os dedos como ela havia relatado. O título da reportagem era “O profeta das estrelas” e falava de contatos espaciais e outras coisas que na época não entendi muito bem.

“E onde ele está agora?”, quis saber. Sirlene jogou água na fervura: “Sei lá, sumiu outra vez”, disse. Ouvimos uma buzina insistente lá fora. Era o pai de Sirlene. Seu Valdomir,o havia topado a entrevista.