As belas, as mariposas e a soja

Existem moças e moças, mas Ana Cláudia era uma princesa. Loira de cabelos compridos, alta, sempre muito bem vestida e um sorriso encantador no rosto. Era difícil encontrar tantas qualidades no mesmo pacote. Eu não a via com os olhos de homem, posto que ainda era criança na época. Além de bonita, Ana Claudia era espetacularmente atenciosa comigo e com meus irmãos e eu a achava encantadora, como não podia ser diferente.

Quando caminhava pela Rua Sete de Setembro rumo ao trabalho e passava pela minha casa, um velho casarão que existia na esquina com a Tibúrcio Pedro Ferreira, eu e os meus irmãos corríamos para a janela acenar para ela. Parecia uma fada, andando com elegância. Assim que ela via os pequeninos fazendo aquele escândalo, logo abria um sorriso de marfim e respondia efusivamente. Pronto, estava ganho o dia. Uma vez a cada semana Ana Cláudia vinha até nossa janela. Era um sonho, distribuía doces e afagos e a gente adorava.

Nunca vi a bela Ana Cláudia com namorado. Pretendentes não deveriam lhe faltar. Hoje fico pensando que talvez o conjunto da obra assustasse a rapaziada. Moça bem nascida, estudada, não era para aventuras. Ali tinha que ser papo reto. Que não viesse com conversa mole ou já pegava o rumo da rua da amargura.

A bela Ana Cláudia assustava os trêmulos rapazes e depois que disputou um concurso de miss, aí alçou o estrelato. Nos anos 1970 criaram o concurso de Rainha da Soja em Ponta Grossa, que teve várias edições. A soja foi o divisor de águas na cidade, que procurava se firmar economicamente no Brasil do milagre econômico. Com amplas áreas férteis, a cidade abraçou a oleaginosa e logo se intitulou a Capital Mundial da Soja. Nunca ninguém conferiu se era de fato merecedora deste título, mas a verdade é que seus campos foram tomados por hectares e mais hectares de soja.

Alguns dizem que o concurso de Rainha de Soja foi uma maneira de divulgar ao povo qual era a nova vocação econômica da cidade. No entanto, o certame coincidiu com a invasão de mariposas. Nunca se viu nada igual. Era a metamorfose das lagartas da soja. Quando anoitecia, os insetos eram atraídos pelas luzes da cidade. As árvores e os cabos da rede elétrica ficavam apinhados de grandes mariposas marrons do tamanho de uma mão espalmada.

Os bichos eram pavorosos. Não sei se faziam algum mal porque os adultos não deixavam a gente chegar perto. Quando começava a anoitecer, tinha que fechar as janelas porque invadiam a cidade e empestavam tudo. Interessante que ao morrer, deixavam manchas de óleo pelas ruas ao ponto que carros e pedestres escorregavam naquela gosma. Parecia coisa de filme de Alfred Hitchcock.

O fato é que deram sumiço nas mariposas não se sabe como. Hoje, basta dar “um Google” para descobrir que é possível até fazer manejo biológico com o fungo Nomurea rileyi atacando a lagarta antes que ela se torne mariposa. Mas naquele tempo, nos distantes anos 1970, também encontraram uma solução eficiente para acabar com a ameaça alada. Exterminada a praga, as belas entraram em cena para colorir as nossas vidas. Foi uma estratégia de marketing brilhante. Moças lindas, como Ana Cláudia participavam do certame. Havia torcida e grande mobilização na cidade.

Meus irmãos e eu fizemos todo o pessoal da nossa família torcer por Ana Cláudia, é óbvio. Infelizmente ela não ganhou, ficou classificada como uma das princesas para a nossa decepção. Eu me comportei como qualquer criança que vê seus planos serem frustrados: achei que aquela comissão julgadora não entendia nada de beleza.
Hoje fico pensando a tremenda saia justa que este pessoal deve ter vivido. Além da dificuldade de escolher entre as belas concorrentes, ainda havia aquela pressão dos pais das garotas, todos eles convictos que a coroa tinha que vir para seu rebento. Isso numa cidade do interior pesa e muito. Eu e meus irmãos elegemos Ana Cláudia como a mais bela e fim de conversa. Enquanto moramos lá, nunca duvidamos disso. Para nós ela era a eterna “Rainha da Soja”.